O inesquecível tri de 1970
A conquista da Taça Jules Rimet por Pelé & Cia. completa 55 anos neste junho
Neste mês de junho, o tri completa 55 anos. A conquista do terceiro título da Copa do Mundo pelo Brasil nos estádios do México é um dos momentos mais planetariamente célebres da história do futebol.
Da estreia em 3 de junho (4 a 1 sobre a Tchecoslováquia) ao triunfo na grande final em 21 de junho (outro 4 a 1, desta vez sobre a Itália), a Seleção Brasileira hipnotizou o mundo com uma ajuda extra da TV.
Foi a primeira Copa transmitida para todo o mundo ao vivo e em cores – e aquelas camisas amarelas ficaram ainda mais douradas com o equilíbrio de tons que havia na época.
Há que se considerar que o visual, além dos gols, dribles e jogadas, exerceu um encanto único em um público espalhado pelo planeta.
Fora que o Brasil conquistou definitivamente a cobiçada Taça Jules Rimet (roubada e derretida no Rio em 1983) com seu terceiro título.
Aqui no Brasil, também foi a primeira Copa ao vivo na TV, embora em preto e branco. Mas já era uma diferença brutal entre acompanhar na hora pelo rádio e, depois de um ou mais dias, assistir ao videoteipe ou ao filme do jogo.
A Seleção que ganhou a primeira Copa para o Brasil em 1958, na Suécia, era um time mais equilibrado quanto a goleiro, defesa, meio-campo e ataque.
Mas a de 1970 foi mágica e, embora com goleiro e zaga questionáveis, tinha um equilíbrio tático moderno para aquele tempo, sem falar que tinha uma linha ofensiva de meias e atacantes que contava com nada menos que Jairzinho (1944-), Gérson (1941-), Tostão (1947-), Pelé (1940-2022) e Rivellino (1946-).
Uma campanha de golaços feitos. E de golaços não feitos, como os três de Pelé contra a Tchecoslováquia (chute do meio do campo que passou perto da meta do desesperado goleiro Viktor [1942-]), a Inglaterra (cabeçada fulminante que o goleiro Banks [1937-2019] salvou em cima da linha) e Uruguai (o drible da vaca no goleiro Mazurkiewicz [1945-2013] que foi complementado por um chute que tirou tinta da trave).
E há o gol que encerrou a Copa feito pelo lateral-direito e capitão Carlos Alberto Torres (1944-2016). Talvez o melhor gol de jogada coletiva da história e possivelmente o mais reprisado de todos os tempos, conforme escreveu certa vez a revista britânica FourFourTwo.
Claro que a história de um torneio e de um campeão tão célebres tinha de ser contada em livro. E o melhor é México 70: A Mais Bela Copa do Mundo Contada por Seus Protagonistas, do jornalista escocês Andrew Downie.
Lançada no Reino Unido em 2021 com o título The Greatest Show on Earth: The Inside Story of the Legendary 1970 World Cup, a obra teve sua edição brasileira publicada em 2022 pela Editora Grande Área, especializada em livros sobre futebol.
O livro de Downie é ótimo porque não conta apenas a história do Brasil no torneio. Com depoimentos de jogadores de vários países que atuaram naquela Copa, ele construiu um cenário completo do que foi “o maior espetáculo da Terra” no México.
Minha história favorita do livro segue sendo a da seleção da Bulgária, que passou uns dias numa das montanhas mais altas do país para se acostumar à altitude que encontraria no México.
Só se esqueceram que, na montanha búlgara, o frio era de lascar, enquanto no México encontraram um calor tórrido de início de verão do hemisfério norte…
Há um outro livro bem legal que se concentra mais na Seleção Brasileira: Brazil 1970: How the Greatest Team of All Time Won the World Cup, do jornalista belga Samindra Kunti. Este não foi publicado no Brasil ainda.
O ponto forte é que Kunti acompanha ano a ano as transformações e partidas da Seleção Brasileira entre o bi mundial na Copa de 1962 até o tri de 1970.
A gente costuma idealizar o futebol do passado e achar que bagunça só existe agora. Nada disso. A bagunça na Seleção sempre foi uma constante.
Kunti lembra da fase de entressafra iniciada após o bi. Exceto Pelé, que ainda era bem jovem, a geração bicampeã de 1958 e 1962 estava envelhecida e não seria material para ser aproveitado em 1966.
Só que uma excursão desastrosa pela Europa em 1963 botou em ponto morto uma renovação geracional completa.
Assim, aconteceram absurdos como levar um destruído fisicamente e futebolisticamente decadente Garrincha (1933-1983) para a Copa de 1966.
Houve mais caos em 1968, quando a Seleção fez muitos jogos sem Pelé, que ainda não tinha certeza de que jogaria em 1970. Lendo o relato dos jogos daquele ano, é espantoso que, dois anos depois, aquela equipe seria campeã do mundo.
A Copa de 1970 já esteve presente aqui em pop + livros + etc. num texto sobre o livro com autoria de Zagallo (1931-2024), o técnico da Seleção em 1970.
Também há um pouco de Copa de 1970 no post sobre a ocasião em que o escritor Nelson Rodrigues (1912-1980) batizou Pelé de Rei ainda em 1958.
Vale lembrar também que em Febre de Bola (Fever Pitch), as clássicas memórias de torcedor do Arsenal do escritor inglês Nick Hornby (1957-), há um espaço nobre para os jogos maravilhosos do Brasil de 1970.
É o único momento do livro em que Hornby deixa de lado o futebol inglês para celebrar seu encantamento com a equipe de Pelé.
E, embora seja ficção e esteja fora do conceito desta newsletter, vale muito citar o romance O Drible (2013), do escritor mineiro Sérgio Rodrigues (1962-), no qual o tal drible da vaca de Pelé contra os uruguaios é central para a trama.
PS 1: Da Seleção de 1970, além de Pelé, Carlos Alberto Torres e Zagallo, citados no texto principal, não estão mais vivos: o goleiro Félix (1937-2012), o lateral-esquerdo Everaldo (1944-1974) e os zagueiros reservas Fontana (1940-1980) e Joel Camargo (1946-2014).
PS 2: A Copa de 1970 está entre minhas primeiras memórias como gente. Eu ainda faria 3 anos em setembro. Mesmo assim, jogos de futebol na TV com o campo metade na sombra e metade no sol forte são imagens de que me recordo não sei como.
Também me lembro de muita gente reunida diante da TV e de rojões amarrados nas estacas de bambu que serviam de suporte para os varais de roupa na laje que atendia as três casas (a minha, a dos meus avós paternos e a de um tio) construídas por meu avô em seu terreno enorme na Vila Bela, zona leste de São Paulo. Essa é a imagem que tenho da final Brasil 4 x 1 Itália.
PS 3: Em junho de 2000, num dos últimos suspiros do jornal Notícias Populares (1963-2001), no qual trabalhava desde 1991, tive a felicidade de editar o caderno especial “30 Anos do Tri”.
Graças aos esforços de toda a equipe de Esportes do NP, conseguimos depoimentos exclusivos sobre a Copa de 1970 de todos os jogadores campeões – e do técnico Zagallo – que estavam vivos na época, além das famílias dos já falecidos Everaldo e Fontana.
Dos vivos, apenas não conseguimos o depoimento de Pelé. Mas reaproveitamos o que ele disse sobre 1970 para uma série de reportagens sobre ele feita três anos antes pelo jornalista Leandro Loyola para o NP.
Ótimas indicações, muito obrigado! Quero escrever sobre o gol do Carlos Alberto Torres em uma das edições da minha newsletter!
Boa pedida escrever sobre esse gol.