Febre de Bola me representa
Livro de Nick Hornby sobre futebol cria identificações diferentes para cada leitor
Li Febre de Bola (Fever Pitch, 1992), o livro do escritor inglês Nick Hornby (1957-) sobre sua paixão pelo Arsenal de Londres e por futebol em geral, por volta de 1997, na versão original em inglês.
Lembro-me do impacto que a obra teve ao me demonstrar que essencialmente todo torcedor é quase igual em seus sentimentos pelo jogo de bola.
Hornby estruturou o livro com mini capítulos, cada um referente a um jogo de futebol que ele assistiu ou acompanhou à distância por rádio, TV ou outro meio entre 1967 e 1991, quando concluiu o livro.
Lembrar com nitidez (não necessariamente de cada detalhe do jogo, mas das circunstâncias) de uma partida de futebol é algo de que compartilho. E isso é mais gravado na memória na infância e juventude.
Sou capaz de lembrar de algum fato acontecido na minha vida ou no meu entorno e associar tal data ou época a algo de futebol. Por exemplo: “Ah, quando isso aconteceu, teve aquele jogo em que a bola bateu no juiz, entrou e o gol valeu”.
A relação de Nick com o pai também é melhor quando envolve futebol. De certa maneira, o que mais me ligava ao meu pai na minha infância e adolescência era acompanhar algum duelo pelo rádio ou pela TV (e algumas poucas vezes em estádio).
Só quando soube mais, na vida adulta, sobre expressar emoções nossa relação relaxou e ampliou-se para outros interesses mais profundos (mas, espera um pouco: futebol É profundo).
Foi sendo levado pelo pai para ver um jogo do Arsenal no estádio de Highbury (que não mais existe) que Nick tornou-se um torcedor do clube.
Como aconteceu mais ou menos comigo: eu já me credenciava como torcedor do Corinthians havia cerca de um ano, mas digamos que minha confirmação veio quando meu velho me levou ao Pacaembu para ver Corinthians 4 x 1 Botafogo de Ribeirão Preto, em maio de 1975.
Um jogo em que Sócrates, que depois se tornaria meu maior ídolo no futebol, atuou pelo Botafogo interiorano e fez o único gol de seu time.
Uma coisa que achei engraçada em Febre de Bola: a recusa de Hornby de bater palmas e parabenizar o time pela campanha ao perder um título.
Quando o Arsenal perdeu por 3 x 1 a final da Copa da Liga Inglesa em 1969 para o minúsculo Swindon Town (uma zebra daquelas), a reação do jovem Nick ao ver outros louvando o vice é algo do tipo “como vocês podem estar contentes? O time PERDEU!” (não é uma citação literal do livro).
O Arsenal não via uma taça desde 1953, quatro anos antes de Hornby nascer. Sairia da fila em 1970 com a Inter-Fairs Cup, antepassada longínqua da atual Europa League.
Tal reação é praticamente a mesma que eu, já ranzinza aos 9 anos, tive quando o Corinthians perdeu a final do Brasileirão de 1976 para o Internacional.
Ao ver o pessoal chacoalhando bandeiras e soltando rojões por pelo menos ter disputado a decisão, eu batia pé no “mas PERDEU!”. Não mudei nesse aspecto desde então.
O Corinthians não via uma taça desde 1954, 13 anos antes de eu nascer. Sairia da fila em 1977 ao ganhar o Paulistão, que na época valia muito.
Também acho interessante como Hornby deixa de falar do Arsenal em alguns dos mini capítulos. Há uma sequência dedicada aos jogos da Seleção Brasileira de Pelé na Copa do Mundo de 1970.
Ali está um inglês encantado com o futebol de outro país por amor ao jogo, não apenas ao seu clube ou seleção.
Já eu não tinha idade suficiente em 1974 para entender futebolisticamente a Holanda de Johan Cruyff na Copa daquele ano.
Mas me maravilhei com Diego Maradona levando a Argentina ao título mundial em 1986; com o time do Barcelona dirigido por Pep Guardiola que ganhou tudo em 2010/11; e com a espetacular final da Copa de 2022 em que a Argentina de Messi bateu a França de Mbappé nos pênaltis após 3 x 3 em 120 minutos. Futebol pelo futebol.
Outros capítulos que não tratam de Arsenal são dos tempos em que Hornby morou e estudou em Cambridge e acompanhou os dois clubes da cidade, o Cambridge United e o Cambridge City.
O londrino se empolgava ao testemunhar, em campos pequenos com pouca torcida, as lutas quixotescas dos times locais, que jamais tiveram o gostinho de disputar a divisão de elite do futebol inglês.
Cambridges existem porque acreditam que o futebol não é só para os tubarões. A vida não é feita só de Real Madrid e seus 5 zilhões de títulos.
Acho essa temporada de Hornby torcendo pelo futebol de Cambridge semelhante ao que o Juventus da Mooca (bairro onde nasci e ao qual retornei para morar há três anos) representa em São Paulo.
Exceto por alguns aqui no bairro que alegam ter o Juventus como prioridade futebolística, o clube pequeno é o segundo time de grande parte dos paulistanos.
Ver um jogo no acanhado e antiquado estádio da Rua Javari é um programa à parte, a quilômetros de distância conceitual de ir às arenas de Corinthians e Palmeiras ou ao MorumBis do São Paulo.
O clímax do livro (não acredito em spoilers sobre fatos reais) ocorre quando o Arsenal vence o Liverpool na casa do adversário com um gol no último lance e conquista o Campeonato Inglês em 1989, após 18 anos de jejum.
Hornby explode numa avalanche de alegria, daquelas em que você não sabe direito o que fazer para comemorar e talvez não possa ser responsabilizado por seus atos. Uma grande catarse que o futebol é capaz de provocar.
Já senti algo assim. Em 1977, quando o Corinthians quebrou seu jejum de 23 anos sem títulos; em 1990, quando ganhou seu primeiro Brasileirão; em 2012, quando conquistou sua primeira Libertadores.
E, assim como Hornby, eu amansei. Ele, no livro, já demonstra menos entusiasmo com o título inglês do Arsenal em 1991.
Menos pelo clube e mais pelo início da gentrificação do futebol inglês que começaria com a instituição da Premier League em 1992/93 em substituição ao tradicional campeonato organizado pela The Football Association (FA) desde o século XIX. Hornby detectou cedo o que viria a acontecer.
Meu problema nem é gentrificação porque nunca fui muito de ir ao estádio. Apenas me acalmei.
Na semana passada, o Corinthians ganhou o título paulista em cima do Palmeiras e o máximo que fiz foi erguer os braços quando o goleiro Hugo Souza defendeu um pênalti e garantiu o 0 x 0 que bastava para a conquista.
Sem berros, sem xingar a TV. Apenas um observador com uma satisfação interna bem controlada. Talvez isso seja maturidade. Talvez velhice. Talvez a síndica deste prédio tenha regras mais rígidas. Vai saber…
P.S. 1: Quando eu falo de Corinthians no texto, sinta-se à vontade para lembrar do seu time e das suas próprias alegrias e tristezas com futebol.
P.S. 2: Recomendo também o e-book Pray: Notes on a Football Season, que Hornby publicou em 2012 comentando a temporada inglesa de 2011/12, que terminou com o Manchester City sendo campeão nacional depois de 44 anos sem este título, com uma virada nos acréscimos que lembra a conquista épica do Arsenal em 1989.
Outro e-book boleiro veio em 2013. Fan Mail: 20 Years of Writing about Football. Vale lembrar que Hornby evitou escrever sobre futebol por um bom tempo depois do sucesso estrondoso de Febre de Bola.
Costumo dizer que sou corinthiano em São Paulo, no Brasil, na Espanha e em qualquer outro lugar. No máximo, torço para o São Bento de Sorocaba por causa da minha cidade de nascimento. Mas graças ao Febre de Bola, tenho uma simpatia exclusiva pelo Arsenal na Inglaterra, o que tamnbém é uma quase certeza de sofrimento futebolístico.
Meu primeiro livro do Nick Hornby que virou um dos meus autores contemporâneos prediletos ( apesar que ultimamente a impressão que tenho é que seus livros já estão sendo escritos pensando nas adaptações cinematográficas). O que me identifiquei, quando li, foi como o futebol pode nos definir. Mais de uma vez ouvi o questionamento de como alguém com interesses tão diversos pode se deixar levar por um sentimento tão visceral como o provocado por 22 homens correndo atrás da bola, realmente transcende a lógica.
Mas como o Nick Hornby também fico contente de saber que alguém que gosta de mim ao saber que o São Paulo ganhou deixa escapar um sorrisinho e pensa que eu devo ter ficado feliz.
Parabéns pelo seu texto Excelente.