Keith Moon, o palhaço triste do rock
Baterista do The Who entupiu sua vida com loucuras e álcool para não se sentir só
A historinha-clichê do palhaço que dá alegria a tanta gente e tem uma vida pessoal triste se aplicava a Keith Moon (1946-1978), indomável baterista do The Who. A trajetória maluca dele foi muito bem contada na biografia Dear Boy: The Life of Keith Moon, do renomado jornalista inglês Tony Fletcher, publicada originalmente em 1998.
Moon pareceu viver para arrancar risadas dos outros em qualquer momento da vida. Uma carência que o levava a se fantasiar de quase qualquer coisa (monge, dominatrix ou até de nazista – ok, uma escolha de péssimo gosto) e elaborar piadas práticas como afundar um Rolls-Royce na piscina e destruir calculadamente quartos de hotel para espantar o tédio.
Tudo regado a muito álcool, é claro.
A fama de palhaço incontrolável chegava a ofuscar o grande baterista que foi. No The Who, Keith logo encontrou seu estilo único. Ele não conduzia o ritmo, oferecia uma frase diferente a cada verso de uma música.
Seguia uma lógica única sua e era tão estrondoso quanto seu contemporâneo John Bonham, do Led Zeppelin – mais disciplinado em adotar os bons princípios e teorias para tocar bateria.
Era explosivo a ponto de chutar longe seus tambores nos shows do The Who em boa parte da carreira, que terminaram com o guitarrista Pete Townshend destruindo sua guitarra e amplificador.
Estilo próprio
Keith explorava os vários tambores e os pratos, ignorando a existência do chimbal (o "sanduíche" de pratos que é usado para conduzir o ritmo). Na cabeça dele, o que tocava fazia sentido. E o resultado final nos discos também fazia. Era um baterista que parecia estar em um solo o tempo todo.
O estilo único e inimitável de Moon não era para todos os gostos. Fletcher conta na biografia uma cena curiosa, por volta de 1970.
O lendário baterista de jazz Philly Jo Jones (que fez parte do primeiro quinteto de Miles Davis) foi a Londres administrar workshops e tutoriais para colegas de profissão de renome.
Na época, The Who vivia o auge do sucesso graças à ópera-rock Tommy (1969) e Moon tinha uns bons milhões na conta. E fez sua visita ao "professor" Philly.
Jones pediu que o colega baterista mostrasse o que sabia na bateria. Moon apresentou seu típico estrondo caótico, como se um polvo estivesse atrás dos tambores.
Durante esse solo, Philly apenas olhou, notando a completa deficiência de Moon em teoria musical.
Quando o solo acabou, Philly perguntou quanto Keith ganhava por ano. Ao ouvir a resposta milionária, o americano assobiou de espanto, pensou por alguns segundos e resignou-se: "Bom, não vou estragar sua vida".
Anos sombrios
Se os anos 1960 foram uma grande festa ininterrupta, os anos 1970 foram mais sombrios para Moon.
Ele apagou DURANTE um show do The Who, que continuou com um fã puxado da plateia para tocar a bateria.
Num acidente terrível e alcoolizado, Keith atropelou e matou o próprio chofer quando tentava fugir de uma confusão num pub inglês.
Sua esposa finalmente se cansou de tanta bebedeira e tantas gracinhas e foi embora. Alguns parasitas da fama (que hoje alguns chamam de "parças") também sumiram.
Moon se viu sem plateia, sem mulher e filha e teve de confrontar sua solidão, talvez pela primeira vez na vida.
A riqueza levou à autoindulgência. Sério candidato a pior cantor de todos os tempos, Keith cometeu um álbum-solo em 1975, Two Sides of the Moon.
Ele só queria cantar algumas de suas músicas favoritas, mas botando o disco nas lojas para pobres ouvintes incautos.
Sua demolição vocal de canções de grupos afinados como "In My Life", dos Beatles, e "Don't Worry, Baby", dos Beach Boys, beira o inacreditável.
Morte acidental
A partir de 1976, Keith percebeu que seu alcoolismo estava fora de controle (especialmente depois de sentir dores terríveis no estômago) e buscou se tratar. A abstinência causou sintomas muito desconfortáveis.
Depois de algum tempo, começou a tomar clometiazol, que atenua esses sintomas e combate a vontade de beber. O médico deixou claro que era para tomar um comprimido quando houvesse desejo de ingerir álcool – e que NUNCA o remédio e a bebida deveriam ser misturados.
Em 6 de setembro de 1978, Moon foi com a namorada Annette Walter-Lax à pré-estreia do filme A História de Buddy Holly (The Buddy Holly Story), organizada por Paul McCartney.
Após a sessão, Keith e a namorada foram jantar com os McCartney em Covent Garden, Londres. Nas fotos da pré-estreia e do jantar, a presença de uma taça com vinho branco ao alcance de Moon é constante.
Na madrugada do dia 7, Keith e a amada voltaram ao lar, no mesmo apartamento em que a cantora Mama Cass Elliot morreu quatro anos antes.
Moon brigou com Annette porque queria que ela cozinhasse para ele. Cada um dormiu num lugar diferente da casa. Sozinho, Keith tomou alguns comprimidos de clometiazol, supostamente para conseguir dormir.
Pela manhã, Annette já encontrou Keith morto pela overdose acidental do remédio. Acidental apesar de ele ter sido avisado que nunca deveria misturar o clometiazol com álcool.
Keith Moon tinha 32 anos, completados em 23 de agosto. Sua aparência e resistência física eram de alguém com mais idade. Em suas últimas gravações com The Who, semanas antes, mal aguentava tocar por mais de duas horas.
Uma vida tristemente desperdiçada na busca por estar sempre alegre.
Além da biografia de Tony Fletcher, vale uma menção ao essencialmente fotográfico A Tribute to Keith Moon: (There Is No Substitute), organizado por Ian Snowball e pelos herdeiros do baterista.