Mama Cass e a lenda do sanduíche de presunto
Livro de filha revela origem da história de que cantora morreu engasgada
Uma das maiores lendas da música pop é a de que a cantora Mama Cass Elliot, do grupo The Mamas and The Papas, morreu por engasgar com um sanduíche de presunto há 50 anos.
Um mito que não deixa de ter uma relação maldosa e preconceituosa com o fato de Cass era plus-size. Implica que ela morreu por glutonice.
Várias tentativas de desmentir essa morte bizarra foram feitas desde 1974, mas a mais definitiva – que até revela quem começou com essa história – veio há poucos meses no livro de memórias da filha de Mama Cass, Owen Elliot-Kugell.
"Eu odiava esse boato, principalmente porque sugeria que a glutonice causou o fim da vida dela", diz Owen. "Havia um sanduíche de presunto, mas ela não comeu nem engasgou com ele. Portanto, chega de piadas".
A filha, hoje com 57 anos, assume nas páginas de My Mama, Cass: A Memoir, publicado em maio último nos EUA, que encarou como uma missão esclarecer definitivamente o que aconteceu e por que o presunto foi uma fake news tão longeva.
"As pessoas realmente acreditavam que minha mãe morreu engasgada com um sanduíche de presunto. Virou uma lenda urbana. Acabei percebendo que era minha responsabilidade garantir que a verdade fosse dita", escreveu Owen.
Superstar plus-size
Mama Cass foi a primeira superstar plus-size da música pop. Carismática e com uma voz potente, tornou-se o foco principal dos The Mamas and The Papas quando o grupo viveu o auge do sucesso com músicas como "California Dreamin'", "Monday, Monday", "Words of Love", "Dedicated to the One I Love" e "Dream a Little Dream of Me", entre 1965 e 1968.
Num grupo com dois homens e duas mulheres, a gorda Mama Cass conseguiu ser centro das atenções mesmo tendo como colega um template de loira hippie linda como Michelle Phillips, mulher do líder e compositor John Phillips. Completava a formação o cantor Denny Doherty.
"Dream a Little Dream of Me" é basicamente uma gravação solo de Mama Cass, embora faça parte do catálogo de The Mamas and The Papas. É cover da canção originalmente lançada pelo cantor Ozzie Nelson em 1931.
O impacto de "Dream a Little Dream of Me" é duradouro. Não é muito difícil ouvi-la hoje em dia em alguma rádio com blocos de nostalgia.
Com uma carreira solo de maior sucesso que a dos ex-colegas de grupo, Cass Elliot cantou sua canção-símbolo em seu último show no Palladium, em Londres, onde fez uma temporada de duas semanas.
Duas noites depois do show, em 29 de julho de 1974, foi encontrada morta na cama no apartamento que alugou do cantor Harry Nilsson para se hospedar na capital britânica. Ataque cardíaco, como diz a autópsia. Tinha 32 anos.
Um livro em busca de verdades
Owen Elliot tinha apenas 7 anos quando a mãe morreu. Por causa dos compromissos profissionais, ambas conviveram muito menos tempo do que gostariam. Órfã, a menina foi criada pela irmã de Cass.
A filha foi um plano pensado por Cass. Já famosa com The Mamas & The Papas, ela decidiu que queria ter um bebê, mas não uma relação permanente com um homem.
Cass guardou a sete chaves a identidade do homem cujo papel em sua vida foi apenas o de gerar Owen. A filha foi descobrir apenas aos 19 anos que seu pai biológico era um contrabaixista obscuro chamado Chuck Day.
Com o cinquentenário da morte da mãe se aproximando, Owen dedicou-se a contar em livro a história de Cass do jeito que se deve. E a questão central para a autora era esclarecer publicamente o mistério da morte da cantora.
Segundo Owen, Cass deixou o palco de seu último show no Palladium londrino e embarcou numa maratona de festas (como o aniversário do rolling stone Mick Jagger) e eventos que a deixaram sem dormir por 36 horas.
"Quando ela voltou para seu apartamento, já era noite do dia seguinte. Ela estava com fome e a dançarina do show fez um sanduíche com a única coisa que havia, presunto, e deixou à beira da cama. Mas ela não deu uma única mordida", conta Owen.
A filha finalmente descobriu onde nasceu o mito do sanduíche mortal durante um almoço com a jornalista Sue Cameron, amiga de Cass.
Escreve Owen em My Mama, Cass:
"Numa tarde por volta do ano 2000, encontrei Sue para almoçar no Beverly Glen Centre, que ficava perto da escolha dos meus filhos. (...) Disse para Sue que, depois de tantos anos, eu ainda não sabia de onde saiu aquela história idiota sobre o sanduíche de presunto.
Mal as palavras saíram da minha boca, Sue olhou para mim e suspirou. Arrumando os talheres desconfortavelmente, ela disse: "Fui eu".
"O quê?", perguntei.
"Fui eu. Eu escrevi essa história", ela respondeu.
Explicando melhor, ela contou que, na manhã de 29 de julho, chegou à redação do The Hollywood Reporter. Os jornalistas estavam na mesa central, falando baixinho. Ao ver Sue, um deles perguntou: "Hey, Sue! Você é amiga da Cass Elliot. Como se soletra o nome dela? Um 't' ou dois?"
Sue respondeu: "Um. Por quê?" O jornalista respondeu: "Oh, ela morreu".
Ela correu para sua sala e fechou a porta, pegou o telefone e ligou para Allan Carr, o empresário de minha mãe. (...) Ele não sabia o que falar para a imprensa.
Haveria perguntas e conclusões. O estilo de vida rock-and-roll é lendário e tomou as vidas de muitos de seus contemporâneos. Jimi [Hendrix], Janis [Joplin] e Jim [Morrison] tinham morrido.
Allan Carr não precisava nem queria que as pessoas especulassem e pensou num plano. Viu um sanduíche ao lado da cama e montou uma história. Só precisava que Sue publicasse, o que ela fez, para proteger a amiga até que houvesse mais informação.
Prefiro pensar que, ao contar isso para mim no restaurante, Sue sentiu um enorme alívio em sua confissão para mim. Sei que me senti como se finalmente tivesse obtido uma resposta para a eterna pergunta sobre de onde saiu a história, quem a inventou e por qual razão. Agora eu sabia que era para proteger o nome e o legado de minha mãe."
A intenção pode ter sido boa. Mas escapou ao controle.