Verissimo e a paixão pelo jazz
Coletânea em e-book traz um pouco da paixão do cronista pela música
Um singelo e-book com capa genérica e o pífio preço (ok, pífio dependendo de sua renda) de R$ 5 no site da Amazon. É Verissimo Jazz, uma coletânea de crônicas sobre jazz escritas por Luis Fernando Verissimo (1936-), publicada em 2012.
Um livro breve, para ler rapidamente e para absorver devagarinho. Saxofonista semi-amador, Verissimo é um apaixonado pelo gênero musical e demostra isso em seus escritos.
De todos os textos do e-book, nenhum reflete essa paixão como "Parker", em que o autor relembra quando, em sua juventude morando em Washington, viu um show do saxofonista Charlie Parker tendo ao lado no palco seu maior parceiro, o trompetista Dizzy Gillespie.
Foi numa escapada de fim de semana até Nova York. Verissimo escreveu:
E sempre acabava em algum nightclub, geralmente o Birdland, ouvindo jazz. Tinha menos de 18 anos, mas não me lembro de jamais ter sido barrado, talvez devido à barba latina, já cerrada, que me distinguia dos adolescentes nativos. Esse naco de autobiografia tem uma razão de ser. Numa das minhas primeiras incursões a Nova York, lá por volta de 1953, assisti à apresentação de um quinteto no Birdland. Não me lembro do trio do ritmo, mas os dois da frente eram Dizzy Gillespie e Charlie Parker. Para quem não tem nenhuma convivência com o jazz, isso soará tão oco quanto o resto destas lembranças, mas para quem pertence à confraria é o mesmo que anunciar a um grupo de veteranos do Partido que eu vi Lênin discursar no Segundo Congresso!
Coladinho a essa memória, vem uma resenha do filme Bird (1988), biopic de Charlie Parker dirigida por Clint Eastwood, outro fanático por jazz.
"Bird é um filme digno. Não sei se é digno do gênio torturado que o inspirou", avalia Verissimo. “O importante é que o filme foi realizado, é bom, e está fazendo muita gente se interessar pela música de Charlie Parker. Quem não conhecia o bebop talvez não entenda qual era a novidade. O filme não tem nenhuma preocupação em ser didático e até fala pouco na música”.
Verissimo também celebra o histórico concerto do clarinetista Benny Goodman no Carnegie Hall, em Nova York, em 16 de janeiro de 1938.
“A apresentação de Goodman foi a primeira vez em que músicos de jazz brancos e negros tocaram juntos para um grande público nos Estados Unidos. A banda do Count Basie também participou do evento e as duas bandas se uniram para uma jam session. Em alguns números Goodman tocou só com o pianista negro Teddy Wilson e o baterista branco Gene Krupa. E em outros, juntou-se ao trio o vibrafonista Lionel Hampton", contextualiza o escritor.
Há capítulos para outros mitos. Os trompetistas Miles Davis (“Miles passou a vida beijando com a própria sombra") e Chet Baker (“Chet era um grande improvisador, um dos melhores da história do jazz, mas lhe faltava o que Miles tinha. Pegada"), o pianista Dave Brubeck e o clarinetista/saxofonista Sidney Bechet.
Sobre Chet Baker, o livro também traz uma crítica sobre o livro Memórias Perdidas, uma autobiografia do músico que não cumpre o que promete. Foi publicado no Brasil em 2001.
"Memórias Perdidas de Chet Baker vale pelo pouco que revela da intimidade do trompetista e pela ótima tradução do Luiz Orlando Carneiro, um dos nossos melhores jazzófilos. Mas Chet fala mais das suas drogas do que da sua música, e quase não fala de outros músicos”, reclama Verissimo.
E na crônica "Teses", ele especula o quanto realmente houve de influência do estilo vocal de Chet no jeito de cantar do baiano João Gilberto.
"Cantando [Chet] não tinha metade da ousadia, na divisão de pausas e acentos, do João Gilberto. Acho que nem a cronologia fecha. Quando Baker gravou seu primeiro disco vocal, João Gilberto certamente já cantava como agora – só que ninguém o ouvia. E intimismo por intimismo, João Gilberto tinha os precursores que quisesse no próprio Brasil, a começar pelo Mário Reis".
Há humor e amor sobre o assunto. E o estilo de escrita de Verissimo deixa tudo mais atraente, mesmo para quem não entende muito (ou entende nada) de jazz.
Assistir ao Charlie Parker tocar ao vivo devia ser um despertar. Só por inspirar Veríssimo e Cortázar escrever sobre ele, já sinto um vazio que pesa como uma perda daquelas experiências que não vou poder ter...