Quando o Wilco era “ninguém”
Entrevista de 1997 com Jeff Tweedy foi na época do segundo álbum da banda
Revirando algumas velharias, topei com a pitoresca entrevista que fiz com Jeff Tweedy (1967-), líder da banda americana Wilco, que foi publicada pelo jornal Folha de S. Paulo em 23 de julho de 1997.
Na época, o Wilco ainda era “ninguém” e eu já era ninguém. Being There, o segundo álbum da banda, estava saindo no Brasil quase meio ano depois de seu lançamento nos EUA.
Apesar de ainda estar brigando por um lugar ao sol, o Wilco cometeu a ousadia de lançar um CD duplo, depois de sua estreia com A.M. em 1995 – pouco tempo depois do fim do Uncle Tupelo, primeiro grupo de Tweedy.
Fiquei abestalhado com A.M., que comprei quando saiu. Pode-se dizer que sou um admirador de primeira hora do Wilco.
Esses dois primeiros álbuns vincularam o grupo ao subgênero alt-country, um country rock alternativo com forte influência de Neil Young em suas incursões pelo estilo.
Hoje sabemos que o Wilco desabrochou artisticamente depois disso, lançando uma sequência de álbuns brilhantes (Summerteeth, de 1999; Yankee Hotel Foxtrot, de 2002; A Ghost Is Born, de 2004; e Sky Blue Sky, de 2007) cuja riqueza musical e variedade sonora extinguiu de vez a rotulação country rock.
Esses álbuns-chave também transformaram o Wilco numa espécie de queridinhos de fãs de rock alternativo do mundo todo. Uma referência dentro desse nicho.
Por isso achei gozada a forma como se desenvolveu minha entrevista de 1997, que hoje acho esquemática e meio limitada. Mal sabia eu que havia muito espírito criativo em Tweedy além de misturar sonoridade country ao rock. Isso só os anos mostrariam.
A entrevista foi por telefone, com Tweedy em Chicago (EUA), “relaxado e em casa” em suas próprias palavras. O que vem a seguir é o bate-papo publicado, que tem mais valor arquivista e sentimental que outra coisa:
Por que Being There é um álbum duplo sendo apenas o segundo lançamento do Wilco?
Gravamos um monte de músicas, sentimos que todas combinavam de algum modo. Era mais interessante para nós mantê-las do que descartar algumas para ter um único CD. Cada CD acabou curto. Talvez fique melhor para escutar em vez de um CD longo.
O CD 1 soa mais rock. O CD 2, country tradicional. Isso foi proposital? Era para ter sido assim?
Não planejamos desse modo. Apenas pensamos no que faria mais sentido para sequenciar 19 músicas, em como deixar cada música diferente de outra.
Vocês parecem usar a influência country de forma reverente, mas não retrógrada. É isso?
Componho todas as músicas no violão há anos. Nunca morei num lugar em que pudesse tocar guitarra alta e não componho em ensaios porque não gosto. Quando você toca violão, folk e country são atraentes. Isso acabou moldando meu estilo de compor. Não tento compor músicas country ou folk. Elas apenas acabam assim por eu tocar mais violão do que guitarra.
Fica difícil gravar com guitarra uma música que foi composta no violão?
Não é tão difícil. Fica mais excitante, porque você nunca ouviu a música daquele modo.
Você já ouvia country quando criança ou adolescente?
Não muito. Minha mãe e meu pai gostavam de Johnny Cash… Compro discos de tudo que é gente. Sou um fã de música. [E de] todos os clássicos [do country]: Don Gibson, Merle Haggard, Buck Owens, Hank Williams…
Então country foi uma descoberta de anos recentes?
Acho que comecei a ouvir [country] porque fiquei meio enjoado de rock numa época. Ouvi algumas coisas e percebi que as pessoas compunham canções poderosas, emocionalmente intensas, sem tanta guitarra ou alguém berrando. Era minha ideia de trabalho. Ainda no Uncle Tupelo, tocava covers nos ensaios para aprender o estilo.
Você começou a ouvir country quando estava enjoado de rock. Letras de Being There como “Misunderstood” e “I Got You” passam um certo desencanto com o que o rock é hoje. É isso mesmo?
Não é bem um desencanto. É que várias canções são sobre minha relação pessoal de tocar em bandas de rock desde os 15 anos. Continua tão importante para mim quanto sempre foi. No fim, é o que faço e eu deveria estar feliz.
Você tem receio de que o rótulo de country evite que pessoas desinteressadas por esse estilo ouçam a banda, mesmo com vocês sendo primariamente roqueiros?
Acontece com todo mundo. Os Beatles apareceram como “Mersey Beat", Bob Dylan era “um cantor folk”. Todos foram encaixados em categorias antes de vender milhões de discos.
O que você sabe sobre o Brasil?
Não muito. Só que gostaríamos de ir até aí. Vamos fazer uma turnê pelos EUA e Canadá abrindo para Sheryl Crow. Começa em julho e vai até fim de setembro. Só daria para ir ao Brasil no fim do ano… [risos]
Jeff Tweedy é autor de uma das melhores autobiografias de pessoas do rock que já li: Vamos Nessa (para podermos voltar): Memórias de discos e discórdias com o Wilco, etc.
A autobio foi publicada nos EUA em 2018 – como Let's Go (So We Can Get Back): A Memoir of Recording and Discording with Wilco, Etc. – e no Brasil em 2019.
Com um texto ótimo e fluido, ele recorda todos os momentos em que conheceu novos sons de rock que o levaram a querer tocar e, como ele mesmo diz, já estar em bandas com 15 anos de idade.
Gosto muito da lembrança dele sobre como descobriu The Clash. De certa forma, o aprendizado roqueiro dele, companheiro de geração meu, despertou uma identificação.
Eu lembro quando compararam o "Quatro" do Los Hermanos aos discos deles.
Meu deus, que preciosidade essa edição! Ainda não li a autobiografia, mas comecei a ler recentemente How to Write One Song dele, estou amando. Também estou muito animada para o show no C6 Fest. Será que vai rolar uma nova entrevista com a vinda deles?! Torcendo.