Meu primeiro erro de ortografia
Certas lições acidentais e espontâneas grudam na mente pelo resto da existência
Nunca me esqueci do meu primeiro erro de ortografia detectado por alguém. Uma correção que está até hoje enraizada na cabeça e que criou uma espécie de neurótico quanto a erros em textos.
Fui um alfabetizado doméstico precoce. Com 4 anos, já desenhava letras de forma (o que ainda não podia ser considerado escrever) e aprendi a ler através de gibis.
(Eu SEI que o uso da palavra “gibi” não é recomendado hoje por causa de um certo histórico racista e não a escreverei mais depois destes parênteses. Mas passei anos chamando inocentemente revistas de histórias em quadrinhos de gibi. Como estou lembrando aqui de algo ocorrido nos anos 1970, creio que se justifica pelo menos uma ocorrência do termo.)
Revistas Mônica, de Mauricio de Sousa (1935-), e — infelizmente, em minha visão atual (digo infelizmente porque sou time Looney Tunes, com Pernalonga & Cia.) — dos personagens da Disney foram minhas primeiras leituras. Creio que, pelo que observo há tempos, de muito mais gente também.
Voltando ao tal primeiro erro, ele ocorreu numa atividade lúdica num sábado qualquer de 1973 ou 1974.
Escrevi em letra de forma (só aprendi a escrita manuscrita na escola) várias tirinhas de papel com “conselhos” que eu queria que meu pai praticasse. Ele sorteava as tirinhas para saber o que teria de “cumprir”.
Numa das tirinhas, manifestei meu desejo de que ele tirasse sua carteira de motorista e comprasse um carro — talvez as coisas fossem mais lentas ou mais complicadas antigamente e meu velho só foi fazer isso aos 32 anos.
No papelzinho, escrevi “DIRIGA”.
Eu sei, você sabe e espero que todo mundo que tenha o português como idioma saiba que o imperativo afirmativo do verbo “dirigir” é “DIRIJA”. Só que meu eu de 5 ou 6 anos ainda não sabia.
A correção gentil e amorosa de meu pai me marcou para sempre. Acho que aqui é a primeira vez que escrevo “DIRIGA” em mais de 50 anos.
Assim como tenho tanto a agradecer às HQs da Turma da Mônica e, vá lá, da Disney, tenho uma dívida impagável com quem trouxe essas revistinhas para casa e me incentivou a fazer bom uso delas.
Por isso, cuidar dos meus pais atualmente só me faz lamentar muito que estejam em acentuado declínio cognitivo, fora os outros problemas físicos. Quando eles estavam em seus auges mentais, foram essenciais para meu aprendizado.
A lição do “DIRIGA” ficou. E me levou a uma profissão — na qual, além de escrever, editei muitos textos de colegas por força da função — que me deu olhos de lince para detectar erros de ortografia, concordância, raciocínio tortuoso…
Eu fico maluco fazendo scroll em redes sociais porque meu maldito olhar-radar parece atraído naturalmente para barbaridades contra a língua.
Erros crassos de ortografia e/ou gramática, crases mal usadas (ou não usadas), concordância verbal de Tarzan… Não sou pernóstico a ponto de corrigir os outros. Sofro sozinho.
E, mesmo assim, sempre escapa ou quase escapa (sou um usuário dedicado do corretor ortográfico e gramatical) alguma escorregada quando eu mesmo escrevo. Ocorre principalmente quando o texto sai num jorro.
Às vezes, um errinho só é localizado quando o texto já está publicado. Aqui no Substack, sempre vou lá e corrijo, lastimando a distração (não… na verdade, me amaldiçoando).
Se for em outro veículo on line, peço para alguém bondosamente corrigir meu disparate.
Nos tempos em que meu trabalho saía em veículos impressos e um erro conseguia burlar tanto a minha atenção quanto a do revisor, era motivo para mau humor e recriminação por alguns dias.
Por mais neurótica que seja, minha fixação em tentar não cometer erros ao escrever é importantíssima e recomendo que quem lida com texto tenha tal apuro também.
É pessoalmente recompensador escrever corretamente.
PS: Falei de Turma da Mônica e devo acrescentar que me impressiona até hoje a qualidade da equipe de quadrinistas e roteiristas que trabalhou para Mauricio de Sousa nos anos 1970.
Era um pessoal jovem, criativo, cheio de ideias de humor meio torto e atento ao que acontecia.
Nem os desenhos nem as historinhas eram pasteurizados como acabaria ocorrendo a partir dos anos 1980 — mas, àquela altura, eu já estava deixando de lado os quadrinhos infantis.
Essa equipe da Turma da Mônica à moda antiga me ensinou muitas palavras novas, muitas expressões populares, muitas piadas e jogos de palavras infames.
Que bom que a Mauricio de Sousa Produções tenha contado com gente assim justamente quando eu estava crescendo.
Caramba, muitíssimo identificável, haha. Sempre sofro silenciosamente quando vejo erros que considero absurdos (estudei na faculdade com um ser humano que sempre metia um "agente" ao invés de "a gente". A aflição que isso me dava! hahaha) até que noto que eu mesma os cometo com frequência suficiente pelo meu péssimo hábito de escrever muito rápido e só editar o que escrevi depois que enviei. Principalmente concordância acaba sempre me pegando.
Aí eu me lembro do Nelson Rodrigues... "não reparem que eu misture os tratamentos de "tu" e "você". Não acredito em brasileiro sem erro de concordância". Ha!