Irmãos Gilmore: o crítico e o assassino
Em Tiro no Coração, Mikal conta a vida de crimes de Gary até a pena de morte
Um livro que ainda me impressiona quase 30 anos depois de lê-lo é Tiro no Coração (Shot in the Heart, 1994), publicado em 1996 no Brasil.
O autor Mikal Gilmore (1951-), crítico musical que trabalhou por anos na revista Rolling Stone, conta de forma jornalística e, ao mesmo tempo, muito pessoal a vida de seu irmão mais velho Gary Gilmore (1940-1977), um criminoso incorrigível.
Gary se tornou um dos mais notórios condenados à morte nos EUA. Foi o primeiro executado por qualquer método desde o restabelecimento da pena de morte no país em 1976 após quase dez anos.
Sentenciado pelos assassinatos de dois mórmons num motel no estado de Utah no começo de 1976, ele exigiu receber a pena máxima que finalizaria sua vida. O Utah foi um dos primeiros estados americanos a restabelecer a condenação à morte.
Gary não queria lutar por pena de vários anos ou prisão perpétua. Ele queria morrer. E reivindicou ser executado por um pelotão de fuzilamento em vez do método menos doloroso da injeção letal.
E assim se deu seu fim diante dos executores com rifles em 17 de janeiro de 1977.
Essa insistência de Gary Gilmore pelo fuzilamento foi bastante repercutida pelo noticiário em vários países, incluindo o Brasil. A revista Manchete adorava cada novidade sobre o condenado no corredor da morte.
Para a mídia da época, Gary era a nova versão de outro criminoso que hipnotizou milhares de leitores e telespectadores nos anos 1950 até ser executado na câmara de gás em 1960: o galante, inteligente e bandido cruel Caryl Chessman (1921-1960).
O caso de Gary até virou música punk meses depois de sua morte. Inspirada pelo fato de que o condenado doou seus olhos à ciência, a banda britânica The Adverts conseguiu algum sucesso com o rock “Gary Gilmore’s Eyes”.
O livro de memórias escrito pelo irmão Mikal Gilmore cativa pela honestidade com que ele relata as disfunções de sua família de pai com misteriosos casamentos anteriores, mãe mórmon e quatro filhos (Frank Jr., Gary, Gaylon e Mikal).
É tocante que Mikal, sabendo de tudo que o irmão mais velho fez de errado numa vida mais vivida em cadeias que em liberdade, não deixa de manifestar amor fraterno.
E o sucesso profissional que Mikal alcançou como jornalista e crítico musical era visto com orgulho por Gary, num sentimento de “que bom que o garoto seguiu uma vida honesta”.
É preciso ler Tiro no Coração para entrar no clima denso que Mikal elabora em linguagem direta, sem floreios. Nenhum resumo ou citação de detalhes conseguirá proporcionar a mesma sensação.
Infelizmente, a edição brasileira está fora de catálogo há muitos anos e só é encontrada em sebos (não vendo meu exemplar surrado, não…). Para quem sabe inglês, a edição mais fácil de adquirir é em e-book.
Quem gosta de ler sobre música talvez já conheça Mikal Gilmore por outro livro publicado no Brasil em 2010: Ponto Final: Crônicas sobre Os Anos de 1960 e Suas Desilusões.
E o caso e execução de Gary Gilmore foi o tema de um livro de um dos principais escritores americanos do século XX, Norman Mailer.
Numa de suas incursões por reportagens longas, Mailer publicou A Canção do Carrasco (The Executioner’s Song) em 1979. Uma edição brasileira foi lançada em 1980.
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