Hüsker Dü na Discoteca Básica
Minha melhor colaboração para a revista Showbizz foi sobre um álbum que amo
Colaborei muito pouco com a revista Bizz – para ser mais exato, nos tempos em que a publicação adotou o nome de Showbizz. O texto mais pessoalmente recompensador que saiu publicado nela foi sobre a banda Hüsker Dü na seção “Discoteca Básica”, que costumava encerrar cada edição.
Foi na edição de número 144, que chegou às bancas em julho de 1997.
A “Discoteca Básica” sempre trazia uma análise de um disco histórico da música pop (e esse rótulo incluía até bossa nova e jazz).
Meu texto foi sobre o último álbum do Hüsker Dü, Warehouse: Songs and Stories (que saiu “Histories” na revista, mas essa culpa não é minha), de 1987. Um disco duplo em vinil (depois, CD simples) que amo ainda hoje.
Warehouse foi o ponto alto dos dois gigantescos compositores do trio, ambos gays: o guitarrista Bob Mould (1960-) e o baterista Grant Hart (1961-2017). Completava a formação o cumpridor baixista Greg Norton (1959-).
Desnecessário dizer que hoje eu escreveria o texto de outra maneira. Mas decidi resgatá-lo aqui praticamente do jeito que a Showbizz publicou (fiz apenas algumas pequenas alterações pontuais quase imperceptíveis e que não alteram o sentido).
Faço isso até para ilustrar como você escreve com um estilo numa determinada época da vida (eu tinha quase 30 anos em 1997) e, anos depois, você relê criticamente e sabe que passou a teclar de forma diferente.
Aí vai o texto sobre o Warehouse:
Uma grande banda que acaba antes da decadência e ainda faz uma obra-prima no último disco. Sonho de roqueiro obsessivo? Não, existiu o Hüsker Dü.
Warehouse: Songs and Stories saiu em 1987. O Dü foi para turnê, o empresário (David Savoy, um daqueles caras que colocam a tranqueira no furgão) se matou, o trio de Saint Paul (Minnesota, EUA) descobriu que não se topava mais e o óbito chegou.
Mas em Warehouse, eles mandam bala naquilo que os Pixies souberam trabalhar depois – e que o Nirvana incorporou para se tornar a maior banda do mundo (em 1991, Bob Mould recusou o convite do então verdinho Kurt Cobain para produzir Nevermind. Sobrou para Butch Vig).
Desde 1979 o Dü capitaneava a legião “vamos-lá-na-raça" do rock independente. Os primeiros discos do trio formado por Bob Mould (guitarra, vocais), Grant Hart (bateria, vocais) e Greg Norton (baixo) não passavam de coices hardcore – em Land Speed Record (1982), seu álbum de estreia, eles executam dezessete canções em meros 26 minutos.
Um dia, o trio estalou que podia juntar barulho com uma sacada pop, coisa que outros nem sabiam (por preconceito, rebeldia ou falta de talento) que era possível, e acabou por entrar definitivamente na história do punk rock americano.
O Hüsker Dü foi uma das primeiras bandas pós-punk americanas dos anos 1980 a assinar com uma grande gravadora – o império Warner o capturou em 1986. Depois de soltarem o belo (e surpreendentemente otimista) Candy Apple Grey, Mould e Hart abriram o registro para jorrar Warehouse.
O som do LP, segundo álbum duplo da carreira do Hüsker Dü (o primeiro foi a obra-prima de barulheira conceitual Zen Arcade, de 1984), é de chorar. Paredes de guitarra mouldianas como reboco da cozinha firme de Norton e Hart, vocais humanos (de urros a sussurros) com harmonias bastardas dos Beatles.
E coloridos de ritmo em que convivem valsa-punk ("She Floated Away"), 1-2-3-4 ramonesístico (a suprema "Could You Be the One") e rockabilly desnorteado ("Actual Condition").
As letras seguram ainda mais. O Dü montou um mosaico da vida corriqueira: ansiedades, paixões em desenvolvimento e/ou mal resolvidas ("Could You Be the One", "Standing in the Rain", "Ice Cold Ice"), responsabilidades assumidas ("Charity, Chastity, Prudence and Hope"), desmoronamentos emocionais ("She Floated Away") e pequenas alegrias ("These Important Years").
Mould, homossexual discreto que evita levantar bandeiras, tem sensibilidade para escrever feridas abertas que se aplicam a heteros, homos e pessoas que assistem a comerciais das facas Ginsu de madrugada.
Basta prestar atenção no cenário descrito em "Standing in the Rain", que narra o fora levado por Mould num encontro – quem não passou por uma situação dessas? Hart não fica atrás. Com compositores desses, como a banda acabou?
Como? Não sei. Acabou. Mould formou e separou o Sugar no meio de sua carreira solo. Hart montou uma banda, Nova Mob, que entrou em parafuso e está só também. O bigodudo Greg Norton hoje é um mero chef de cozinha depois que o Hüsker Dü passou a ter começo, meio e fim.
PS: A história da banda foi contada num livro publicado em 2010 nos EUA, Hüsker Dü: The Story of the Noise-Pop Pioneers Who Launched Modern Rock, escrito por Andrew Earles.
Em 2011, Bob Mould publicou seu livro de memórias See a Little Light: The Trail of Rage and Melody, que ocasionalmente é atualizado. O jornalista Michael Azerrad (autor de Come As You Are, sua biografia do Nirvana) colaborou com o texto.
A boa coleção britânica 33 ⅓, com cada livro dedicado a um álbum histórico, não teve até agora (salvo erro de pesquisa meu) um volume sobre algum disco do Hüsker Dü.
Mas, em 2017, foi publicado na 33 ⅓ um livro sobre Workbook, com autoria de Walter Biggins e Daniel Couch. Workbook foi o primeiro álbum-solo de Bob Mould, lançado em 1989.
Caso alguém queira ver todas as resenhas da Discoteca Básica:
https://play.google.com/books/reader?id=Vm6MNwAAAEAJ&pg
Uma das minhas bandas favoritas, warehouse é meu disco favorito deles, e olha que a escolha é difícil com Zen Arcade.