Histórias de hits dos anos 80
Livro conta como foram feitos sucessos e o que aconteceu com os artistas
Playing Back the 80s- A Decade of Unstoppable Hits, de Jim Beviglia, publicado em 2018, é um livro modesto mas que atiça a curiosidade.
O autor, colaborador da revista e site American Songwriter, se propõe a contar como foram feitos alguns hits dos anos 1980 com entrevistas com um participante das gravações.
A lista de hits foi elaborada pelo próprio Beviglia, então há alguns que só fizeram sucesso nos EUA e não são memoráveis por aqui.
“Sempre defendi que “We Are the World” foi uma linha demarcatória na década; depois dela, a qualidade caiu, na minha avaliação. Dito isto, as canções que escolhi da segunda metade da década, como todas as outras músicas neste livro (em ordem cronológica), são as que eu gostei na época, gosto hoje e defenderei com cada grama de meu ser para quem for do contra”, explica Beviglia no prefácio.
Há escolhas questionáveis. Numa delas, ele seleciona de Glenn Frey (ex-The Eagles) a música “Smuggler's Blues” em vez da muito mais conhecida “The Heat Is On”, tema do filme Um Tira da Pesada (Beverly Hills Cop, 1984), com Eddie Murphy.
De Julian Lennon (filho de você sabe quem), o autor optou por “Valotte” em vez de “Too Late For Goodbyes”, que foi bastante tocada no Brasil em 1984/85.
Há ausências imperdoáveis. Nenhuma música de Madonna, Prince ou Bruce Springsteen, por exemplo. Nem “Girls Just Want to Have Fun”, de Cyndi Lauper.
Nem “We Are the World”, do coletivo USA for Africa, que é uma canção bem mais ou menos, mas que fez história. Nem “Walking on Sunshine”, de Katrina and The Waves, um símbolo alegre dos 80s.
Nem… Bom, a lista do que não está no livro daria outro livro. Então passemos ao que Playing Back the 80s tem.
Muito dessas ausências acima citadas deve-se ao método do autor. Tudo que entrou tem uma entrevista com alguém que participou da música.
Na maioria dos casos, Beviglia até conseguiu conversar com o compositor ou um dos músicos de uma banda.
Já para artistas inacessíveis ou já mortos (casos de Prince), Beviglia conseguiu validar suas escolhas entrevistando um dos músicos de estúdio – como em “(Just Like) Starting Over”, de John Lennon – ou o produtor – como em “Every Breath You Take”, do The Police.
E vamos conceder que de “Cars”, de Gary Numan (lançada no Reino Unido em 1979 mas sucesso nos EUA em 1980), até “Love Shack”, hit dos The B-52s em 1989, o autor incluiu várias faixas realmente significativas dos anos 1980, goste-se delas ou não:
“Bette Davis Eyes”, de Kim Carnes;
“Don't Stop Believin’”, do Journey;
“In the Air Tonight”, de Phil Collins;
“Eye of the Tiger”, do Survivor;
“Billie Jean”, de Michael Jackson;
“Shame on the Moon”, de Bob Seger & The Silver Bullet Band;
“Sexual Healing”, de Marvin Gaye;
“She Blinded Me with Science”, de Thomas Dolby;
“Bad to the Bone”, de George Thorogood and The Destroyers;
“Mr. Roboto”, do Styx;
“Overkill”, do Men at Work;
“Rock Me Amadeus”, de Falco;
“Broken Wings”, de Mr. Mister;
“Shake You Down”, de Gregory Abbott;
“Under the Milky Way”, do The Church;
“Free Fallin’”, de Tom Petty.
Há também nomes que você não esperaria encontrar numa lista de grandes hits mas que, felizmente, estão no livro. Como Talking Heads (“Once in a Lifetime”), Devo (“Whip It”), The Dream Academy (“Life in a Northern Town”), The Georgia Satellites (“Keep Your Hands to Yourself”), Metallica (“One”) e Living Colour (“Cult of Personality”).
É claro que as melhores histórias são dos artistas de um sucesso só. Em um monte de casos, a banda se separou em seguida ao hit. Ou prosseguiu na carreira vendo-se obrigada a tocar a música mais famosa pelo resto da vida.
Com sua balada lenta “Everybody's Got to Learn Sometime”, a banda inglesa The Korgis (batizada assim por causa da raça dos cachorros da rainha Elizabeth II) queria um clima reflexivo semelhante a “The Long and Winding Road”, dos Beatles, usando um sintetizador Fairlight.
O naipe de cordas produzido pelo sintetizador e a letra sintética com inspiração budista levaram The Korgis a um sucesso inesperado. E a um fim da banda imediatamente na sequência.
“Foi uma daquelas coisas imprevistas e mágicas que parecem ganhar vida própria. Funcionou. Não é algo que se possa repetir. Nunca fui capaz de compor ‘Everybody's Got to Learn Sometime, Part II’. É uma coisa que só acontece uma vez”, conta no livro o compositor e vocalista principal James Warren.
Já o quarteto australiano The Church não sabia que tinha um sucesso nas mãos quando gravou “Under the Milky Way” em 1988. Nem qualquer outro executivo da gravadora Arista, que tinha a banda sob contrato.
Foi preciso que o presidente da companhia, o lendário executivo Clive Davis, ouvisse a faixa e dissesse numa reunião: “É um hit. Parabéns”. Aí sim todo mundo percebeu o potencial da música tranquila conduzida por violão.
Mas, ao dar seu depoimento ao livro 30 anos depois, Steve Kilbey, vocalista, baixista e compositor da canção, manifestou sentimentos ambíguos em relação a seu único sucesso.
“Fico feliz que tenha sido com essa música. Podia ser bem pior. [Mas] Sei que vou ter que tocá-la pelo resto da porra da minha vida, onde quer que eu vá. Provavelmente vão escrever [o título da música] na minha lápide. Fico relativamente contente com isso”, disse Kilbey.
Há outras histórias deliciosas. Como os perrengues que Thomas Dolby passou para gravar as participações do cientista britânico Magnus Pyke na música e no videoclipe de “She Blinded Me with Science”.
Ou as pancadas fortes que Stewart Copeland dá na caixa da bateria, mantendo um ritmo reto e constante em “Every Breath You Take”.
O espancamento foi motivado por pura raiva, pois Sting proibiu o baterista de fazer suas costumeiras estripulias polirrítmicas, valendo-se do card de compositor: “A música é minha e você vai tocar como eu quero”.
Não é de surpreender que The Police tenha se separado logo em seguida à gravação de “Every Breath You Take” e do álbum Synchronicity, em 1983.
Enfim, Playing Back the 80s não é um livro imperdível, obrigatório nem absolutamente necessário. Mas é daqueles que, se cair na mão, proporcionam uma leitura divertida. Você pode até pular as músicas que não conhece.