Como se batiza uma banda?
Livro conta a origem dos nomes de mais de 500 artistas da música pop
Livros de curiosidades em verbetes são divertidos de ler. Dá pra começar de qualquer página e ir pulando de acordo com seu interesse e, se for bom, você acaba lendo todo o resto. Para um fim de semana, é um bom entretenimento para aliviar a cabeça. E foi isso que fiz com The Big Book of Rock & Roll Names- How Arcade Fire, Led Zeppelin, Nirvana, Vampire Weekend, and 532 Other Bands Got Their Names, do americano Adam Dolgins.
A primeira edição saiu em 1992 e a mais recente, atualizada, é de 2019. Dolgins escreveu na revista satírica SPY, cultuada nos anos 1980 e 1990, e depois enveredou para a produção de programas de TV, com trabalhos para MTV, VH1, Comedy Central e [adult swim].
O livro conta como 500 e tantas bandas (ou artistas solo que adotaram pseudônimos) definiram suas nomenclaturas. Dos primórdios do rock ao século 21, há espaço para muita gente.
Para essa edição mais recente, além de acrescentar bandas que surgiram depois da primeira publicação, Dolgins fez entrevistas adicionais com membros dos grupos incluídos no livro.
Algumas histórias são muito manjadas por quem se interessa por cultura pop:
o trocadilho dos Beatles inspirado pelos Crickets de Buddy Holly;
os Rolling Stones adotando o nome de uma música do bluesman Muddy Waters;
o Velvet Underground tirando seu nome de um livro barato sobre sadomasoquismo;
The Doors enxugando o título do livro The Doors of Perception (As Portas da Percepção), de Aldous Huxley;
o Pink Floyd unindo os prenomes de dois bluesmen obscuros (Pink Anderson e Floyd Council);
o Led Zeppelin (zepelim de chumbo) elaborando a ideia de algo pesado que pudesse voar;
David Bowie abandonou seu nome real (David Jones) porque era igual ao do cantor da banda The Monkees, grande sucesso da TV e da música bem na época em que ele estava começando.
Mas há muita coisa além dessas histórias bem conhecidas. E é gozado ver como uma banda pode ser batizada por acaso ou por um processo cerebral intrincado.
Aleatórios
Há nomes que acabam emplacando porque os músicos estão cansados de pensar em opções e se rendem a algum com que todos os membros concordam.
Foi o caso com Styx (“Foi o nome que ninguém odiou”) ou The Strokes (“Tínhamos vários nomes ruins com que ninguém concordava. Um dia, Julian [Casablancas, vocalista] disse ‘The Strokes’. E todo mundo disse ‘É demais!’. Fácil assim. Cinco caras concordando”, contou o guitarrista Albert Hammond Jr.)
Outros se renderam ao óbvio. Como The Band (“Quando trabalhávamos com Bob Dylan e nos mudamos para Woodstock, todo mundo se referia à gente como ‘a banda’, nossos amigos nos chamavam de ‘a banda’, nossos vizinhos nos chamavam de ‘a banda'”, lembrou o guitarrista Robbie Robertson).
Ou Blondie (“Sempre fui chamada de ‘loirinha’ [‘blondie’] por motoristas e caminhoneiros, e achava que era um bom nome, fácil de lembrar”, falou a vocalista e estrela maior do grupo Debbie Harry).
Já o Radiohead aglutinou o título de “Radio Head”, dos Talking Heads, faixa de um disco que os músicos estavam ouvindo na época.
O brasileiro Sepultura vem de uma tradução que o guitarrista Max Cavalera escreveu para “Dancing on Your Grave” (“Dançando na sua sepultura”), do Motörhead.
E The Pendletones estavam orgulhosos de seu nome até que seu primeiro compacto independente por uma gravadora minúscula chegou da fábrica creditando a banda como The Beach Boys.
Como saía muito caro mandar refazer a prensagem, os rapazes da praia se conformaram em adotar o erro pelo resto de sua longa carreira.
Outro caso esquisito é o da banda canadense Arcade Fire. Vem de uma lenda urbana que impressionou o líder Win Butler na pré-adolescência sobre um incêndio num salão de jogos eletrônicos (“arcade”).
“O primeiro menino que me bateu quando eu tinha 12 anos sempre falava do incêndio do velho ‘arcade’ e dos garotos que morreram. Nem era fato real, mas eu acreditava. Eu diria que era algo que ele inventou, mas na época eu acreditei”, disse Butler.
Nomes saídos de livros
Livros também servem de ponto de partida. The Fall vem de A Queda, do escritor e filósofo Albert Camus.
The Fugs saiu do termo “fug” que Norman Mailer usou para disfarçar o palavrão “fuck” no livro Os Nus e os Mortos (The Naked and the Dead, 1949).
E duas bandas com os mesmos integrantes pegaram seus nomes de livros com referências ao nazismo, embora todos os envolvidos jurem que abominam a ideologia totalitária e genocida de extrema direita.
Primeiro, veio Joy Division, nome das áreas de prostituição (“Divisão do Prazer”) dos campos de concentração no livro House of Dolls (1953), de Ka-tzetnik 135633 (pseudônimo do escritor e sobrevivente do Holocausto Yehiel De-Nur).
Após o suicídio do vocalista Ian Curtis em 1980, os três remanescentes decidiram prosseguir com outro nome, New Order, que veio do livro Leaving the 20th Century: The Incomplete Work of the Situationist International (1974), de Christopher Gray.
Ou, mais especificamente, de uma referência no livro a uma “nova ordem da arquitetura”, apesar de “Nova Ordem” ser o sistema que os nazistas queriam impor em seus planos de dominação mundial.
“Sim, éramos ingênuos e burros, e provavelmente exageramos em querer irritar os mais velhos, mas não éramos nazistas. Nunca fomos e nunca seremos”, assegurou Bernard Sumner, guitarrista do Joy Division e também vocalista no New Order.
Inspiração em outros nomes
The Stooges vem, sim, de Os Três Patetas (The Three Stooges), os comediantes da violência comicamente absurda dos curtas-metragens dos anos 1930 aos 1950 e incontáveis reprises em TVs do mundo todo por décadas a fio.
Living Colour foi inspirado por um programa de TV da Disney dos anos 1960 (Walt Disney’s Wonderful World of Color).
E Gnarls Barkley se refere mesmo ao craque do basquete Charles Barkley, conforme assumiu Danger Mouse, um dos membros da dupla.
Segundo ele, “Gnarls” é uma gíria que significaria “muito bom” – assim, em linguagem popular atual, o nome do grupo seria algo como “Fodão Barkley”.
O poeta galês Dylan Thomas aparece em duas ocorrências. Numa, Bob Dylan (nascido Robert Zimmerman) nega que tenha adotado seu nome artístico por causa dele.
Já a cantora St. Vincent (nascida Annie Clark) se inspirou para seu pseudônimo numa música de Nick Cave, “There She Goes, My Beautiful World”. Mais especificamente, no verso: “And Dylan Thomas died drunk in St. Vincent’s hospital” (“E Dylan Thomas morreu bêbado no hospital St. Vincent”).
Este texto é uma versão revisada, atualizada, editada e modificada do publicado em agosto de 2020 em meu blog anterior Século Pop.
adoro o fato que levou 60 anos para alguém usar Black Rebel Motorcycle Club como nome de banda.