Como nasceu Led Zeppelin IV
Livro reúne detalhes das gravações de um dos maiores álbuns do rock
Gosto de livros sobre um álbum específico. Um disco que representa um momento único, diferente do antes e do depois na carreira de um artista.
Assim, foi fácil ser atraído por Led Zeppelin (IV), a “biografia” do LP homônimo do Led Zeppelin escrita pelo inglês Barney Hoskyns e publicada originalmente em 2006.
Os parêntesis em IV ocorrem porque o livro, tal qual o LP, não tem os algarismos romanos na capa. Traz o nome do Led Zeppelin e as quatro runas que representaram cada membro da banda no encarte do álbum.
Convencionou-se chamar o quarto álbum do Zeppelin de IV porque os anteriores eram II e III – o primeiro não tinha número.
Led Zeppelin IV é um dos maiores clássicos da história do rock desde quando foi lançado. Só a massacrante sequência de abertura com os rocks "Black Dog” e “Rock and Roll” e, ainda no lado A do vinil, a mistura de acústico com peso elétrico de "Stairway to Heaven” são uma cartilha básica para o público de rock.
Mas as oito faixas de IV são boas e diferentes entre si. Não são muitos os discos que merecem ser ouvidos do primeiro ao último acorde.
O autor Hoskyns (1959-) também fez uma biografia completa do Zeppelin no formato história oral, Trampled Under Foot: The Power and Excess of Led Zeppelin (2012).
E ele escreveu biografias de The Band, Tom Waits e Joni Mitchell, além de panoramas do rock na Califórnia e do glam rock britânico comandado por David Bowie e Marc Bolan na primeira metade dos anos 1970.
“O quarto álbum do Led Zeppelin, objeto deste livro, deve ser a mais perfeita exibição da amplitude do grupo", escreveu Hoskyns na introdução.
Casa no campo
Antes de falar de Led Zeppelin IV, Hoskyns recapitula a história da banda desde sua formação em 1968 com o guitarrista Jimmy Page no comando.
A rapidez com que Page agregou outros integrantes – John Paul Jones, requisitado músico de estúdio, assumiu o baixo; os jovens desconhecidos Robert Plant e John “Bonzo” Bonham chegaram para os vocais e a bateria, respectivamente – torna impressionante o entrosamento exibido desde o primeiro álbum.
A ação para a produção de IV começou um ano antes, em 1970, com as férias de Page e Plant, com suas consortes, passaram numa casa de campo em Bron-Yr-Aur, no País de Gales.
Armados de violão e gravador portátil, os dois homens de frente do Zeppelin registraram novas composições inspiradas pela calma do campo.
O resultado folk acústico ocupou quase metade do álbum Led Zeppelin III, lançado ainda em 1970.
Mas a mudança de ares tão produtiva colocou nas cabeças dos rapazes a ideia de não só compor como também gravar um disco inteiro num casarão no campo, bem afastado do agito de uma grande cidade como Londres, a base de operações do Zeppelin.
Foi escolhido o casarão de três andares construído no século XVIII batizado de Headley Grange, em Headley, Hampshire, no sudeste da Inglaterra.
Page disse que outras bandas já tinham ensaiado lá e não tinham reclamações. Em maio de 1971, o quarteto se instalou no imóvel alugado com seu equipamento.
Para gravar seu quarto álbum, o Zeppelin contratou os serviços do Rolling Stones Mobile (propriedade de você sabe que banda), o caminhão que era uma autêntica sala de controle de estúdio, que permitia registrar shows e gravações em locais diferentes como… um casarão no campo.
Com o caminhão estacionado ao lado da casa, os microfones eram conectados à mesa de som e puxados para dentro da casa para registrar o que a banda tocava em vários cômodos.
“Em vez de desperdiçar horas de estúdio pensando em riffs e letras, decidimos que esse lugar em Hampshire era o melhor lugar para lapidar as músicas antes de ir gravá-las", disse John Paul Jones à revista Disc em novembro de 1970, em citação que consta do livro.
“Eu sabia de outras bandas que tinham ensaiado lá, como o Fleetwood Mac. Então foi algo como ‘Vamos para Headley com um mobile pra ver o que sai disso’", falou Jimmy Page anos depois.
O cão preto
Em Headley Grange, primeiro era preciso ensaiar e dar forma às novas composições, além de conhecer a acústica do casarão.
O caminhão Rolling Stones Mobile para a gravação só chegou após algumas semanas, no fim de janeiro de 1971.
O responsável técnico era o brilhante pianista Ian Stewart, ex-rolling stone e fiel acompanhante da banda que o expulsou da formação oficial por ser feioso e parecer um velho.
Da safra anterior, que produziu Led Zeppelin III em 1970, o grupo trazia a introdução de "Stairway to Heaven” e um rascunho de "Four Sticks”, ainda sem esses nomes.
Esboços como esses não foram em frente porque não funcionaram num estúdio de gravação profissional – no caso, os Island Studios.
Page lembra que, logo de cara em Headley Grange, perguntou quem tinha alguma coisa já composta, para ver se John Paul Jones tinha alguma novidade. E o baixista-tecladista-arranjador tinha.
“Robert e eu estávamos compondo quase tudo àquela altura, a não ser que fosse um blues", lembrou Page. “Estávamos sempre encorajando [Jones] a mostrar alguns pedaços, digamos, porque era isso que ele sempre tinha; ele nunca tinha uma música completa".
O tema que Jones mostrou era um blues de tempo quebrado, complicado. Ele se inspirou na sonoridade de Electric Mud (1968), álbum de blues psicodélico do monstro sagrado Muddy Waters.
(Electric Mud foi visto por muitos como uma anomalia na época em que foi lançado; décadas depois, passou a ser cultuado pela turma do rap e hip-hop)
O riff torto foi tocado por Page e Jones ao mesmo tempo. Na bateria, Bonham impunha peso mantendo o tempo quadrado 4/4, sem se deixar levar pelas quebras de guitarra e baixo.
“No original, o tempo era 3/16, mas ninguém conseguia tocar”, confessou Jones. Já Page dizia que essa música “era bem cabeluda” de tocar.
Os tempos acabaram sendo 9/8 e 5/8. Hoskyns escreveu que o primeiro ensaio da música foi uma bagunça sonora.
Em cima disso, Plant soltava a voz sem acompanhamento nas estrofes e com a banda toda no que pode ser chamado de refrão – embora não seja exatamente.
O título "Black Dog” é apenas uma homenagem ao labrador que reinava nas dependências de Headley Grange. Na superstição popular, cães pretos eram vistos como entidades do mal ou do inferno.
Rock and Roll instantâneo
Quando o caminhão Rolling Stones Mobile chegou, "Black Dog” estava terminada e pronta para gravar. O engenheiro de som Andy Johns passou cabos de microfones pelas janelas para poder captar a banda.
Page queria um som ótimo de baixo e bateria. A guitarra poderia ser refinada depois, se fosse o caso. Mas a base tinha de sair perfeita.
A bateria de Bonham foi montada num corredor ao lado da sala de estar e de uma escadaria.
Ali, havia um espaço enorme aberto até o teto da casa de três andares que renderia muita reverberação para os tambores massacrados pelo baterista.
Page relembrou:
“Foi ali que conseguimos aquele som clássico de bateria em ‘When the Levee Breaks’. A bateria ficava no corredor e, às vezes, na sala, com amplificadores espalhados. Quando Bonzo estava no corredor, Jones e eu usamos fones de ouvido, já que os amplificadores estavam em outros cômodos e também dentro de armários e outras coisas. Um jeito bem esquisito de gravar, mas com certeza funcionou".
Gravar no casarão também deu à banda uma liberdade para dar vez à espontaneidade.
Num dia em que todas as tentativas de registrar "Four Sticks” frustraram Jimmy Page, Bonham quis espairecer e puxou a batida explosiva do rock'n’roll "Keep A Knockin’”, lançada nos anos 1950 por Little Richard, com Earl Palmer na bateria.
Instantaneamente, Page improvisou um riff a la Chuck Berry e Jones segurou a onda no baixo.
"Falamos: “Isto é demais, vamos esquecer ‘Four Sticks’", contou Page, que classificou a música feita em 15 minutos de "combustão espontânea".
Plant fez uma letra remetendo ao rock dos anos 1950 para combinar e a nova música batizada simplesmente de "Rock and Roll", foi gravada em apenas três takes.
O ex-stone Ian Stewart reforçou o clima tocando piano também à moda dos anos 1950.
("Rock and Roll” é uma explosão poderosa que ouvi pela primeira vez aos 5 anos através do compacto simples que meu tio tinha comprado. Nunca tinha ouvido nada como aquilo e me deixou uma marca permanente)
Acústico
Nas noites em Headley Grange, os músicos brincavam com instrumentos acústicos. Foi assim que Page pegou o mandolin de Jones, improvisou uns acordes básicos e desenvolveu “The Battle of Evermore".
Plant escreveu uma letra que remete ao livro O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien, pelo qual estava fanático na época. Tolkien também influencia a letra de "Misty Mountain Hop".
Outra canção acústica surgida em Headley Grange foi "Going to California", que Page compôs em mais uma noite calma. A gravação foi ao ar livre.
"Gravamos com todos nós sentados lá fora no gramado, tocando mandolins e tudo mais que estivesse perto. Tem um momento que dá para ouvir um avião passando, mas sempre gostamos de deixar essas coisas em vez de jogar fora um ótimo take", contou John Paul Jones.
A escadaria
Sabe-se lá se a escadaria do casarão de três andares serviu de inspiração, mas Robert Plant compôs uma letra cujo título era “escadaria para o paraíso” para a ambiciosa música que evolui do acústico calmo para a pauleira elétrica composta por Jimmy Page.
A obra já estava na cabeça de Page em abril de 1970, quando ele falou do que viria a ser "Stairway to Heaven” para o jornal britânico New Musical Express:
“Não quero falar muito para o caso de não dar certo. [Mas] tenho a ideia de uma faixa bem longa para o próximo álbum… Queremos tentar algo novo com órgão e violão crescendo e crescendo até a parte elétrica".
Ele passou todo aquele ano desenvolvendo a estrutura da música com um gravador de oito canais e suas guitarras em sua casa-barco no rio Tâmisa na região do vilarejo de Pangbourne.
Ainda na fase de rascunho, Page, Jones e Bonham chegaram a gravar uma versão instrumental de referência nos Island Studios em dezembro de 1970.
Robert Plant escreveu a letra num jorro numa noite em Headley Grange em que ele e Page estavam na sala de estar, enquanto Jones e Bonham estavam caindo na balada em Londres.
No dia seguinte, a banda passou a música com Plant cantando a letra nova em folha. Os músicos também acertaram detalhes como a bateria só entrar bem depois – muito depois – do começo da canção.
A gravação para valer fluiu facilmente, segundo Plant. Mas houve sessões extra para gravação de detalhes nos Island Studios em fevereiro de 1971.
Page lutou para superar suas frustrações com o solo de guitarra até finalmente chegar ao definitivo, tocando sua Fender Telecaster ano 1958 em vez de sua costumeira companheira Gibson Les Paul.
Plant, que viveu uma relação de amor e ódio com a canção após o fim do Zeppelin em 1980 (ele se recusou por anos a incluir a música em seus shows solo), classificou "Stairway…” como uma música sobre otimismo.
E assim ficou pronta uma das músicas mais tocadas na história do rock. Tanto que chegou ao nível de saturação.
Hoskyns até relembra a piada no filme Quanto Mais Idiota Melhor (Wayne's World, 1992), em que um garoto começa a tocar o tema de introdução numa loja de guitarras e é interrompido por um funcionário, que aponta para o cartaz “NO STAIRWAY TO HEAVEN!".
O massacre final
Como produtor do álbum, Page deixou o grande registro do som massacrante da bateria de Bonham para a gravação do cover de um blues de 1929 da cantora Memphis Minnie, "When the Levee Breaks".
Claro que o resultado foi muito mais pesado e tenso que a gravação original de Minnie. Page abusa do slide deslizando no braço da guitarra para efeito dramático, Plant exibe sua destreza na gaita de boca, Jones mantém a tensão no baixo e…
…e a bateria de Bonham domina tudo. Gravada no corredor com enorme reverberação e posicionamento de vários microfones para captar todas as nuances de batidas e ecos.
A bateria parece uma jamanta de proporções mastodônticas que transporta a música até seu final.
Nesse encerramento, Page acrescenta sons de guitarra tocados ao contrário para aumentar a sensação de desastre causado pelo rompimento de um dique, conforme o título do blues.
O começo de "When the Levee Breaks", com Bonham tocando sem outros instrumentos, foi muito sampleado anos depois por artistas de rap e hip-hop, como Beastie Boys, Dr Dre e Ice T.
"When the Levee Breaks” foi a última faixa a ter suas bases gravadas em Headley Grange e seria escalada para encerrar Led Zeppelin IV.
Mas ainda houve mais trabalho nos Island Studios. Hoskyns detalha o que foi feito quanto a acréscimos e overdubs no estúdio profissional.
Isso inclui os vocais da cantora Sandy Denny, do grupo Fairport Convention, em dueto com Plant em "The Battle of Evermore".
E houve sobras. Além das oito músicas que entraram em Led Zeppelin IV, a banda brincou com temas, rascunho ou fez gravações completas de faixas que entraram nos álbuns seguintes: “No Quarter” (Houses of the Holy, 1973), “Boogie with Stu", “Night Flight”, “Down by the Seaside” e uma versão acústica de “The Rover” (todas em Physical Graffiti, 1975).
O total foi de 14 músicas registradas em Headley Grange. A banda chegou a cogitar lançar um álbum duplo, mas optou por um único disco com 8 faixas para alcançar uma coesão maior. Foi a melhor escolha.
Uma pergunta para fins de pesquisa, seria aquela primeira matéria do Caetano Veloso para o Pasquim um dos importantes momentos do nascimento do rock journalism no Brasil? Ele comentava exatamente sobre uma das primeiras apresentações do Led Zeppelin que tinha assistido quando estava exilado em Londres.