Charles Manson: sinistras conexões pop
Livro sobre os crimes comandados pelo psicopata é reeditado no Brasil
Helter Skelter: A História Real de Charles Manson (Helter Skelter: The True Story of the Manson Murders) é um clássico de não-ficção criminal – ou "true crime”, como andam preferindo atualmente até no Brasil – desde que foi publicado em 1974 nos EUA.
O livro do promotor de justiça Vincent Bugliosi (1934-2015) e do escritor Curt Gentry (1931-2014) relata toda a história de Charles Manson (1934-2017), sua “família” de jovens desgarrados e impressionáveis, e os assassinatos que cometeram em agosto de 1969 em Los Angeles.
O livro acaba de ser reeditado no Brasil, com nova tradução, pela Darkside. Mas houve uma edição da Record em 1974, mesmo ano de lançamento nos EUA, com o título Manson: Retrato de um Crime Repugnante – hoje uma raridade.
Os crimes de Manson
O crime mais famoso foi o que vitimou a atriz de cinema Sharon Tate (1943-1969), esposa do cineasta Roman Polanski (1933-), e outras quatro pessoas que estavam na mansão em 10050 Cielo Drive, no bairro de Benedict Canyon, na noite de 8 para 9 de agosto de 1969.
Sharon estava grávida de oito meses e meio e recebeu três amigos para uma noite divertida. Estavam em conversa animada quando foram surpreendidos pelos invasores.
Acabaram todos cruelmente assassinados a facadas ou tiros pelos quatro discípulos de Manson enviados à mansão – o líder daquela noite Tex Watson (1945-) e as jovens Susan Atkins (1948-2009), Linda Kasabian (1949-2023) e Patricia Krenwinkel (1947-) – com ordem de trucidar todas as pessoas que lá se encontrassem.
A quinta vítima (ou primeira, pela ordem dos acontecimentos) foi um homem que foi visitar o caseiro da mansão. Foi morto a tiros dentro de seu carro.
Polanski não estava na casa: tinha ido para Londres para escolher locações para seu próximo filme, The Day of the Dolphin (por causa da tragédia, Polanski desistiu de realizar o longa-metragem, que só seria realizado em 1973 pelo diretor Mike Nichols e teve o título brasileiro de O Dia do Golfinho).
Os assassinos de Manson picharam com sangue as paredes da mansão com “Pigs!” (xingamento da época para policiais, autoridades ou capitalistas brancos) e os nomes ou versos de pelo menos duas músicas do Álbum Branco (oficialmente, The Beatles), disco duplo lançado pelos Beatles em novembro de 1968: “Helter Skelter” e “Blackbird”.
Em sua cabeça doentia, Manson acreditava que essas músicas dos Beatles tinham mensagens que só ele era inteligente para entender. As mensagens seriam para provocar uma revolução nos EUA com uma guerra racial entre brancos e negros.
As frases que Manson mandou escrever nas paredes da mansão seriam para dar a entender que um grupo ativista negro teria sido o responsável pelos assassinatos de membros da elite branca privilegiada. Uma pista falsa para provocar discórdia racial.
O segundo crime da Família Manson foi na madrugada seguinte, de 9 para 10 de agosto de 1969, em uma residência no bairro de Los Feliz. O casal Leno e Rosemary LaBianca foi surpreendido durante o sono e assassinado.
Nesse segundo assassinato, os quatro discípulos que fizeram a matança na casa de Sharon Tate ganharam dois reforços, além da presença do próprio Charles Manson, que foi embora assim que o grupo conseguiu invadir a residência dos LaBianca.
Os crimes em sequência não foram esclarecidos de imediato e aterrorizaram Hollywood, conforme lembrou o autor Peter Biskind em seu espetacular livro Como a Geração Sexo-Drogas-e-Rock'n'roll Salvou Hollywood (Easy Riders, Raging Bulls, 1999).
Instalou-se um clima de paranoia na capital do cinema, que fica em Los Angeles, em que todo mundo desconfiava de todo mundo.
Sabia-se lá se o que aconteceu com Sharon Tate e seus amigos não era parte de algum ritual satânico cometido por alguém da própria indústria cinematográfica – algum ator ou atriz maluco, algum produtor com obsessões, algum diretor sádico…
O próprio viúvo Roman Polanski foi encarado como suspeito, apesar de ter o álibi perfeito de estar em outro continente.
Pesava sobre Polanski a imagem de esquisitão que ganhou por causa de seus filmes, especialmente o mais recente na época: O Bebê de Rosemary (Rosemary's Baby, 1968), sucesso de bilheteria em que uma mulher gera uma criança com Satanás.
Por falar em esquisito, é curioso que, em meio a uma tragédia em que perdeu a esposa e o bebê que ela esperava, o cineasta tenha ficado no funeral pensando fixamente numa marca que Sharon tinha em um dos joelhos devido a um acidente.
Ele mesmo contou isso em sua autobiografia Roman por Polanski (Roman by Polanski, 1984).
Manson e seus discípulos só foram presos em novembro de 1969 por outra razão: roubo de carros e motos. Só que, na cadeia, a assassina Susan Atkins resolveu se gabar das mortes de Sharon Tate e do casal LaBianca para outras detentas, que informaram os policiais.
No julgamento em 1970, no qual o co-autor do livro Vincent Bugliosi foi o promotor público, Manson recebeu a condenação de prisão perpétua.
O compositor Manson
Charles Manson era natural de Cincinnati, Ohio, no Meio-Oeste dos EUA. Basicamente, era um criminoso pé-rapado que parecia incapaz de se manter longe da cadeia por muito tempo.
Carismático, bom de lábia, aproveitador e parasita, Manson mudou-se para San Francisco em 1967, durante o boom da cultura hippie de “paz e amor” na cidade. Tinha a ambição de virar astro da música com as canções que vinha compondo.
Manson também começou a arregimentar jovens meio perdidos e crédulos, colocando-se como uma espécie de guru sabe-tudo e místico.
Assim, formou uma seita que girava em torno dele, na qual pregava o amor livre e suas palavras e desejos eram ordens. A maioria era de mulheres mal saídas da adolescência.
A seita foi batizada de Família Manson e mudou-se para Los Angeles, instalando-se num rancho no Vale da Morte.
Com seu delírio de grandeza de virar astro do rock e seu jeito folgado e entrão, Manson conseguiu amizade com dois membros da elite da indústria fonográfica de Los Angeles: o produtor Terry Melcher (1942-2004) e Dennis Wilson (1944-1983), baterista dos Beach Boys.
Melcher era filho da atriz Doris Day (1922-2019) e, como produtor de discos, alcançou fama e prestígio ao cuidar dos dois primeiros álbuns da banda The Byrds em 1965 – inclusive o mega-hit “Mr. Tambourine Man”, uma cover de Bob Dylan (1941-).
Manson insistiu até que Melcher concordasse em gravar uma demo tape de suas músicas no lendário estúdio Gold Star.
O produtor foi louco bastante para gravar Manson, mas não tão louco a ponto de lançar discos com aquelas músicas, digamos, incomuns.
Manson não gostou dessa desfeita e colocou Melcher em sua mira. Não é mera coincidência que o produtor fosse o morador anterior da mansão em que Sharon Tate foi assassinada.
Houve quem dissesse que Terry Melcher era o verdadeiro alvo do massacre na casa. Mas Manson sabia que ele tinha se mudado para a região de Malibu.
Matar pessoas na casa em que Melcher morou seria uma forma de pressionar, através do terror, o produtor a lançar um disco de Manson.
Já a ligação com o beach boy Dennis Wilson foi bizarra. Num dia qualquer de 1968, completamente chapado, o músico ofereceu uma carona para duas hippies bonitinhas que encontrou pelo caminho – duas integrantes da Família Manson.
Elas passaram pela casa de Dennis e, dias depois, o beach boy deu de cara com Charles Manson na porta de sua casa para recebê-lo.
Dentro da mansão, o líder da seita já tinha instalado um verdadeiro harém com suas discípulas. Esse grupo morou por algum tempo na residência de Wilson.
E, é claro, Manson forçou a barra para que Dennis ouvisse suas músicas. E o baterista gostou de uma composição chamada “Cease to Exist”, que o psicopata alegou ter feito especialmente para os Beach Boys.
Era uma fase em que o gênio residente dos Beach Boys, Brian Wilson (1942-), estava um caco psiquiátrico recolhido em seu quarto. Praticamente não compunha mais para o grupo nem participava das gravações.
Os outros membros dos Beach Boys tiveram de se virar na ausência do irmão mais velho de Dennis. Para continuar lançando álbuns regularmente, providenciaram as composições ou fizeram covers.
Foi nesse cenário que Dennis Wilson emplacou a música de Charles Manson no repertório no fim de 1968. Mas a música teve várias modificações, inclusive no título: de "Cease to Exist", passou a se chamar “Never Learn Not to Love”.
E o crédito de composição era para Dennis Wilson…
Especulou-se que Manson teria ficado com rancor de Dennis por não levar o crédito de autoria. Mas sabe-se hoje que ele vendeu sua música por alguns dólares e uma motocicleta. E até esteve presente na sessão de gravação, embora não tenha participado.
“Never Learn Not to Love” surgiu primeiro como lado B de um compacto em dezembro de 1968, depois entrou no álbum 20/20, lançado em fevereiro de 1969.
Manson teria finalmente seu próprio LP lançado. As demos que fez com Terry Melcher foram lançadas extra-oficialmente (leia-se semi-pirata) em março de 1970, durante os julgamentos dele e de seus discípulos e comparsas.
O álbum recebeu o nome de Lie: The Love and Terror Cult.
A faixa de abertura deste LP de Manson, “Look at Your Game, Girl”, foi inexplicavelmente regravada pelos Guns N’ Roses no álbum de covers The Spaghetti Incident?, de 1993.
Não por sua música, Charles Manson acabou virando o astro que desejava ser. Houve criminosos famosos muito antes dele, mas o líder da própria seita pode ser considerado o primeiro psicopata-celebridade da era pop.
Ler Helter Skelter vai dar uma noção melhor disso.
Olá, Fernando, tudo bem? Vou ler seu artigo. E você me lembrou que não citei Era Uma Vez em Hollywood..., que até cabia no contexto do meu texto. A informação do Melcher em Malibu não lembro se está no Helter Skelter, vi numa apuração de artigos paralelos. Segundo essa referência, o Manson teria até enviado um bilhete pra casa nova do Melcher, só pra mostrar que saberia onde ele estava (preferi não colocar isso do suposto bilhete)
Eu lembro da polêmica do Axl Rose, que frz uma cover do Charles Manson e usou camiseta com o rosto do maníaco.
O Jeremy Davies, ator, contou que muita gente o achava parecido com o Charles Manson. Ele acabou fazendo um filme sobre o caso, provavelmente nem precisou de maquiagem.