Bob Dylan, uma vida em 7 músicas
Crítico Greil Marcus escreve biografia diferentona do cantor
O americano Greil Marcus é uma das vozes mais respeitadas quando o assunto é escrever sobre rock e cultura pop. Aos 79 anos, anda com problemas de saúde, mas uma de suas obsessões ainda é Bob Dylan. A ponto de publicar mais um livro só sobre ele.
Desta vez, é uma biografia pouco ortodoxa esparramada através de sete composições do cantor, Folk Music: Uma Biografia de Bob Dylan em Sete Canções, publicada em 2022 nos EUA e agora no Brasil pela Editora Zain.
Antes desta bio, Marcus já tinha mergulhado no complexo universo dylanesco em três de seus vários livros.
O primeiro foi Invisible Republic: Bob Dylan's Basement Tapes (1997; reeditado em 2011 como The Old, Weird America: The World of Bob Dylan's Basement Tapes), sobre as lendárias gravações do artista acompanhado pela The Band no porão de uma casa em Woodstock em 1967.
Marcus estabelece uma ligação entre essas gravações caseiras com as da enciclopédica compilação de música folclórica tradicional Anthology of American Folk Music, de 1952.
O segundo livro saiu em 2005 nos EUA (e cinco anos depois no Brasil pela Companhia das Letras), Like a Rolling Stone: Bob Dylan na Encruzilhada. Marcus se concentrou apenas na música-título do livro, sua gravação em junho de 1965 e o impacto cultural que teve.
O terceiro veio em 2011. Bob Dylan by Greil Marcus: Writings 1968–2010 é uma coletânea de textos feitos para várias publicações desde o começo da carreira de Marcus até a data em que o livro foi completado.
O livro conta com uma crítica de disco célebre escrita para a revista Rolling Stone em 1970. Ao avaliar o desigual e preguiçoso álbum duplo Self Portrait, Marcus mandou uma frase de abertura curta e grossa: "Que merda é esta?"
Poucos se lembram do resto da crítica, que era quilométrica. E o palavrão valeu a Marcus uma demissão da Rolling Stone, onde era o editor das críticas.
Biografia diferentona
Finalmente, Greil decidiu escrever sua biografia de Dylan, entre dezenas já existentes. A diferença é que o autor não segue o padrão cronológico que a maioria dos biógrafos adota.
Fiel ao seu estilo fluido e meticuloso, Marcus estruturou a biografia em torno de sete músicas de várias fases da carreira de Bob Dylan.
"Blowin’ in the Wind" (1962)
"The Lonesome Death of Hattie Carroll" (1964)
"Ain’t Talkin’" (2006)
"The Times They Are A-Changin’" (1964)
"Desolation Row" (1965)
"Jim Jones" (1992)
"Murder Most Foul" (2020)
Em cada capítulo, Marcus contextualiza a vida e a carreira de Dylan na época em que tal música foi feita.
Basta pegar o capítulo de abertura com "Blowin' in the Wind", certamente a mais conhecida e popular das sete músicas-capítulo, para absorver o método Greil Marcus em pleno funcionamento.
Marcus expande o contexto; fecha o foco em um determinado detalhe; relembra uma memória pessoal; viaja para frente e para trás na cronologia; fala de shows no boêmio Greenwich Village em 1962 e da posse do presidente Barack Obama em 2009; derrama informações, fatos e dados; remete a outros artistas que guardam algum tipo de relação com Dylan; traz para os holofotes uma música folk antiga que tem estrutura e melodia semelhantes; solta mais informações; outra recordação pessoal; cita opiniões de outros artistas…
O resultado é enriquecedor para quem lê. E a quantidade de informações é enciclopédica. Um estilo que Greil Marcus refinou em quase 60 anos de carreira.
Marcus: por que escrever?
E ele expôs como faz e por que em seu mais recente livro What Nails It, lançado em agosto nos EUA, dentro da coleção Why I Write, da Yale University Press.
Um livro curto que Marcus confessa que pensou que não conseguiria escrever, muito menos completar, por causa de sua saúde combalida.
São apenas três capítulos em que ele relaciona sua escrita a tudo que absorveu durante a vida, de música à beleza artística de uma pintura.
Ele relembra o pai que não conheceu, Greil Grestley, que morreu na Segunda Guerra Mundial seis meses antes de seu nascimento (o sobrenome Marcus é do padrasto, segundo marido de sua mãe).
Conta como um estudante de história americana na Universidade de Berkeley se tornou um crítico profissional da revista Rolling Stone quase por acidente em 1968 (enviou um texto pelo correio e recebeu de volta um cheque de pagamento pela publicação e um convite para se juntar à equipe).
A chave do livro é o capítulo dedicado a sua admiração pela histórica crítica de cinema Pauline Kael (1919-2001), que fazia questão de pagar o próprio ingresso no cinema para assistir ao filme sobre o qual escreveria junto a uma plateia comum, sem privilégios.
Depois, publicava textos enormes na revista The New Yorker e outras publicações. Neles, Kael dissecava os filmes com uma linguagem nada empolada nem metida a acadêmica. Ela sentia o filme e o pulso da plateia, e construía seu artigo com mais um monte de informação.
Uma crítica de Kael sobre o filme Bonnie & Clyde, em 1967, foi fundamental para a formação de Greil Marcus.
Pauline falava do filme, do impacto da violência da cena final, reconstituía toda a carreira do astro Warren Beatty, desde os tempos de aspirante a galã até se tornar o produtor de seu próprio longa-metragem, como em Bonnie & Clyde.
Era isso que Marcus queria fazer com textos de música. Sentir o impacto do som, conhecer a reação física nos ouvintes, encontrar o lugar de uma música dentro da complexidade do mundo moderno e dentro da história americana.
Ambicioso? E por que não? É o estilo que ele decidiu seguir. E que ainda é capaz de demonstrar força em Folk Music: Uma Biografia de Bob Dylan em Sete Canções.
PS: É interessante que a edição brasileira de Folk Music mantenha o conceito de ilustrações da edição americana, só que com arte feita no Brasil por Talita Hoffmann.
Li o "Like a Rolling Stone". É incrível como o Greil Marcus conseguiu escrever um livro inteiro à volta de uma só canção. É um dos grandes escritores sobre música. Fiquei com vontade de ler esta biografia do Dylan e esse "What Nails It".