A arte da boa capa de disco
The Greatest Album Covers of All Time não faz ranking, apenas analisa as melhores
Livros de listas com 10, 50, 100 ou 1000 melhores alguma coisa podem ser algo resolvido corriqueiramente numa matéria de internet ou algo mais caprichado visualmente e com textos com boas informações. Deve ser incluído nesse segundo quesito The Greatest Album Covers of All Time, dos britânicos Barry Miles, Grant Scott e Johnny Morgan.
A obra não estabelece um ranking de colocações, apenas relaciona 270 boas capas de discos lançados desde 1956 (vale dizer que o álbum de vinil em 33 1/3 rotações só surgiu na virada dos anos 1940 para os 1950 e, inicialmente, priorizava música clássica, portanto não há capas dignas de menção antes do período coberto pelo livro).
Os textos descrevem as qualidades de cada capa e as circunstâncias em que foram produzidas, além de informações sobre os artistas.
A primeira edição saiu em 2005 e a mais recente é a atualização de 2016, que se encerra com as capas dos últimos dois álbuns de David Bowie.
Os três autores são bem rodados. Talvez o nome mais destacado entre eles, Miles é jornalista e foi um ativista cultural na Londres dos anos 1960.
É co-autor de Many Years from Now (1997) com Paul McCartney, e autor de obras sobre os escritores William Burroughs, Allen Ginsberg e Charles Bukowski, e os roqueiros Frank Zappa, Rolling Stones, Pink Floyd, The Jam, Ramones, The Clash, Talking Heads e The Police. Além de seus livros sobre épocas ou movimentos pop. Prolífico.
Já Grant Scott é fotógrafo e diretor de arte, e Johnny Morgan é crítico musical que também escreveu livros sobre futebol, além de outro volume sobre capas de discos anterior a este.
O trio também ouviu um colegiado de 50 designers, músicos e profissionais da indústria fonográfica para montar esse panorama das melhores embalagens de discos da era pop, sempre pensando mais nos LPs de vinil que nos CDs.
Por isso, apesar da veteranice dos autores, The Greatest Album Covers of All Time não incorre na nostalgia pelos supostos anos dourados da música pop idolatrados por muitos jornalistas musicais britânicos de alta quilometragem.
Há espaço respeitável para os movimentos a partir dos anos 1990, como rap/hip-hop, eletrônico e rock alternativo do século 21.
Há até uma citação que dá a noção do quanto essa arte se reduziu no século 21. “Nem sempre você julga um livro pela capa, mas nos velhos tempos, antes do advento dos CDs e dos downloads, muitas vezes você podia julgar um disco pela capa”, disse James Henke, jornalista e curador do Rock and Roll Hall of Fame, morto em 2019.
Os destaques
As seções são divididas por décadas e, dentro delas, por estilos musicais. Ou até por artistas.
Beatles, Rolling Stones nos anos 1970, Pink Floyd e sua parceria com o estúdio de design Hipgnosis, e Sonic Youth foram agraciados com seus próprios agrupamentos de capas.
Entre os estilos, percebe-se que alguns predominaram em determinados períodos.
Capas de jazz estão presentes nos anos 1950 e 1960, e rap e hip-hop se destacam desde os anos 1980.
Alguns pertencem a uma época determinada, como o progressivo e o punk dos 1970s, o metal dos 1980s e o grunge dos 1990s.
Alguns designers/criadores de capas são recorrentes. Andy Warhol, o artista plástico mais famoso da pop art, aparece com trabalhos bem diferentes entre si: é autor de um desenho para o LP do guitarrista de jazz Kenny Burrell em 1957; do mítico “disco da banana” do Velvet Underground em 1967; da capa com um zíper de verdade para o álbum Sticky Fingers, dos Rolling Stones, em 1971; e do mosaico de slides de Academy in Peril, do ex-Velvet John Cale, de 1972.

Outro é Peter Saville, que foi o designer da gravadora Factory e, portanto criador do visual marcante para os LPs de Joy Division e New Order, muitos incluídos no livro.
Saville também é creditado pela capa de This Is Hardcore, do Pulp. E declara na obra que seu trabalho foi profundamente influenciado pela capa de Autobahn, da pioneira banda eletrônica alemã Kraftwerk.
As curiosidades
Nas descrições dos processos de feitura das capas ou na influência que elas sofreram ou exerceram, há várias curiosidades.
Por exemplo, Frank Sinatra ganhou seu primeiro Grammy não como cantor, mas como um dos criadores do design da capa de Frank Sinatra Sings for Only the Lonely, de 1958.

Ou a influência do primeiro LP de Elvis Presley sobre a capa de London Calling, do The Clash (erroneamente creditado no livro como lançado em 1977, quando a data certa é 1979). E como a imagem de Abbey Road, dos Beatles, se transformou em marco turístico de Londres e foi imitada até pelo próprio Paul McCartney para seu álbum ao vivo Paul Is Live.
A foto da cantora inglesa Dusty Springfield de camisa e calça jeans em seu LP de 1964 quebrou mais padrões do que a gente pode supor atualmente. “Era surpreendentemente moderna numa época em que uma mulher usando calças causava muxoxos de reprovação nas ruas”, diz o livro.

Ou o formato alternativo de capas como a redonda de Ogdens’ Nut Gone Flake, da banda Small Faces, ou aquela em formato de isqueiro tipo Zippo (na qual abria-se a “tampa” para tirar o vinil do invólucro) do lançamento original de Catch a Fire, de Bob Marley & The Wailers, em 1973 – as edições posteriores, mais simples, trazem apenas uma foto em close-up de Marley e seu… digamos, charuto “de artista".

Uma análise também esclarece que, apesar de parecer uma obra de ufanismo americano com a bandeira dos EUA como pano de fundo para o quadril do artista vestindo calça jeans, a capa de Born in the U.S.A., de Bruce Springsteen, embute uma postura política bem diferente.

Diz o livro: “A opção por símbolos da classe trabalhadora (jeans, boné de beisebol e um cinto de caubói cheio de brilhos) em vez de símbolos da América corporativa (Coca-Cola, carrões de Detroit, arranha-céus) revelam a inclinação à esquerda e a defesa do trabalhador de Springsteen”.
Também é identificada a semelhança enorme e intencional da capa de By All Means Necessary, do grupo de rap Boogie Down Productions, com uma foto dos anos 1960 do ativista negro Malcolm X segurando uma metralhadora e olhando pela janela de um apartamento.
A diferença é que, na foto de Malcolm, ele vestia terno e gravata, não um blusão e um boné de beisebol.

Enfim, são tantos detalhes que nem cabem aqui. Mas The Greatest Album Covers of All Time é atraente para quem ama design artístico e para quem ama música pop.
Este texto é uma versão revisada e modificada do publicado em meu antigo blog Século Pop em agosto de 2020